Um Completo Desconhecido (2024): cinebiografia revela um Bob Dylan sem percalços na vida, mas sempre revolucionário

Bob Dylan é um gênio e como todo gênio é um ser complexo, repleto de arestas para se aparar. A sua história, no entanto, não traz tantos relevos quanto seria necessário para uma biografia, principalmente uma cinebiografia, gênero que tem, entre suas características arraigadas, ser repleta de clichês. Dito isso, James Mangold se saiu muito bem na direção do filme Um Completo Desconhecido (2024), cinebiografia que retrata o grande nome da música folk e do rock norte-americano Bob Dylan.

Como a própria biografia de Bob Dylan é um pequeno fio a ser traçado, Um Completo Desconhecido (2024) se centra na agitada cena musical de Nova York do início dos anos 60. O filme conta a chegada de Bob Dylan na cidade, ainda jovem e ingênuo, e seu sucesso instantâneo aos 19 anos. 

Para dar aquele toque de filme de Hollywood, o filme também opta por colocar duas mulheres como eixos que auxiliam a contar a vida de Dylan: Sylvie, uma ativista branca pelos direitos civis norte-americanos durante a lei de segregação racial e Joan Baez, uma cantora de folk com quem Dylan tem um envolvimento. 

Com isso, o filme consegue dispensar o passado de Dylan do qual nada  sabemos a não ser pelas ficções do próprio cantor: uma vida no circo, um andarilho, entre outros. Do seu nascimento, pai e mãe, escola e formação, tudo isso é subtraído como se Dylan fosse construído ali, do zero, ao chegar a Nova York. 

Leia também: Conheça “Folk Music”: Uma biografia de Bob Dylan contada através de sete canções

Este é o grande acerto do filme que consegue fazer do limão uma limonada. Nada demais acontece na vida de Dylan: nenhum vício em drogas, nem alcoolismo, nem grandes brigas e escândalos, apenas um cantor querendo cantar e desaparecer de sua vida pessoal. Com isso, os protagonistas do filme passam a ser suas músicas: estamos vendo um filme esperando o momento em que ele irá cantar suas músicas com suas letras revolucionárias. Este é justamente o ponto que culmina no ápice do filme: sua performance inovadora de rock ‘n roll no Newport Folk Festival em 1965, com guitarras elétricas.

Um ponto relevante de se falar é a escolha do namoradinho de Hollywood para o papel de Dylan. Timothée Chalamet é um caso claro de miscasting proposital que visa ganhar prêmios: se escolhe uma pessoa totalmente diferente do biografado e faz ela chegar o mais próximo possível dele. E esse é o milagre. O problema é que falta em Chalamet algo de Sean Penn. 

Como não tem colher no garfo o que vemos é uma tentativa de se chegar a essa figura opaca de Dylan. E o resultado é bastante satisfatório porque  a questão toda do filme é que Bob Dylan é daquelas pessoas que são dilaceradas e apesar de não ter passado por nada de trágico nem sofrido na sua vida, ele próprio é, por isso, trágico e sofrido por dentro. E como filmar um dentro?

Isso esbarra na figura de Chalamet que é  um ser solar. O sombrio do jovem ator, caso tenha algo, é uma vibe mais Wes Anderson ou até Irmãos Cohen. Apesar de tudo isso, em Um Completo Desconhecido (2024), Chalamet vai lá e cumpre seu papel com retidão, porém, outros atores fariam bem mais.

Um Completo Desconhecido (2024) é uma biografia tradicional demais para uma figura como Bob Dylan, mas nem por isso menos satisfatória de assistir. Para quem quer conhecer Bob Dylan, é uma boa pedida.

Revisado por Letícia Magalhães

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