Nihonjin, de Oscar Nakasato e publicado em nova edição pela Editora Fósforo, traz no título o que em português significa “japonês” e é um romance de memórias, buscas e também retornos, que através da jornada da família Inabata reconstitui a história da imigração japonesa no Brasil. É isso e mais, na verdade. O livro é um daqueles casos que do particular conseguimos enxergar um universo.
Hideo Inabata é um típico súdito do Imperador Hirohito e como tantos outros foi incentivado a deixar o Japão, que no início do século XX vivia um momento de intensa modernização e abertura ao Ocidente, e que encontrou na emigração uma solução para a grande massa de pobres e agricultores que ocupavam o pequeno território insular.
O destino era o Brasil, um país do outro lado do mundo, com um violento e recente histórico escravocrata e alta demanda de mão de obra na cafeicultura, que ainda era a principal atividade econômica. A ideia era ganhar dinheiro e voltar para o Japão, mas as coisas não saíram como planejado. As condições de trabalho, análogas à escravidão, eram bem piores do que o imaginado, assim como a renda, e com o tempo uma distância maior do que um oceano criou-se entre Hideo e sua terra natal.
Essa história é narrada pelo neto de Hideo, Noboru, que lança mão não só das memórias do avô, das fotografias e cartas da família, como também de sua própria imaginação para preencher as lacunas deixadas pelo tempo e pela vida.
“O tempo — sua reta inflexível como o traçado de uma flecha certeira no ar, sua norma inquestionável e singular — vai manchando as imagens, apagando algumas, gravando ruídos no verbo, e logo se duvida do que foi dito, ou se necessita preencher as elipses, realçar os contornos para que se possa ver, ou inventar traços e cores em folhas em branco.”
É através dessa lente que conhecemos os personagens, suas trajetórias e como elas são atravessadas pelos momentos históricos. Noboru nos guia enquanto Hideo compartilha seus planos durante a viagem de navio até o porto de Santos. Vemos a casa de chão de terra batida na fazenda do interior de São Paulo, com a falecida primeira esposa do avô, Kimie, a sonhar com uma neve que nunca viria até chegarmos com a família e suas três gerações à cidade de São Paulo.
Recortes dessas décadas são abordados nos sete capítulos que compõem a narrativa de 144 páginas.
Acompanhamos períodos difíceis para a comunidade japonesa, como a Segunda Guerra Mundial. Com o Japão nas trincheiras inimigas, rapidamente os imigrantes japoneses passaram a ser vistos também como inimigos e a sofrer perseguições que culminaram, inclusive, com a proibição do uso do idioma em território nacional.
No pós-guerra, a situação não ficou mais fácil, pois japoneses viraram-se uns contra os outros diante da recusa de certos membros da comunidade, muito arraigados ao nacionalismo e à imagem de superioridade do Imperador e da tradição japonesa, em aceitar a rendição do país natal na Guerra. Por sinal, tal episódio é analisado em detalhes pelo jornalista Fernando Morais no livro Corações Sujos.
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Porém, voltando a Nihonjin, o autor não explora apenas os contextos históricos e até sociais, como, por exemplo, as hierarquias dentro do seio familiar e o lugar que a mulher ocupa na cultura nipônica. Ele avança também pelos conflitos, dilemas, dores e frustrações dos membros dessa família, o que dá profundidade a esses personagens, que não estão ali apenas como marionetes sem vida de uma narrativa maior, pelo contrário.
É a dureza e o orgulho de ojjichan (avô), a resignação de obāchan (avó), a rebeldia de okāchan (mãe), os questionamentos de Haruo, filho de Hideo. Eles são a vida do romance.
Nesse sentido, o livro também nos possibilita traçar paralelos com as histórias de inúmeros imigrantes mundo afora. Os choques culturais, familiares, geracionais, como em O Xará, de Jhumpa Lahiri, por exemplo, que narra a trajetória de Gógol Ganguli, filho de imigrantes indianos nos EUA. Ele vivia dividido entre esses dois mundos, entre o passado e o presente, e sua história me veio à cabeça ao longo da leitura do romance de Oscar Nakasato. Trocamos Índia por Japão e EUA por Brasil e temos muito clara a oposição entre tradição e modernidade, o imigrante que busca manter ao máximo os costumes que trouxe na mala e seus descendentes que tem uma conexão diferente com o lugar que os que vieram antes chamam de lar.
Isto puxa a questão da identidade. Em uma passagem de Nihonjin, Haruo ouve da professora na escola que por ter nascido no Brasil é brasileiro e não japonês, o que enfurece o patriarca da família, afinal para ele “nihonjin era diferente de gaijin (estrangeiro), que cada nihonjin era representante de um povo de tradição milenar.” É um embate que o rapaz leva pra vida, assim como gerações de filhos de imigrantes que vivem nesse estado constante de não pertencimento. Tais conflitos permeiam todo o livro e estão emaranhados ao processo histórico de formação da comunidade japonesa e do país.
Ao final, acredito que quando olhamos a narrativa como um todo e o processo de emigração e imigração, há um ciclo de desterro, com japoneses pobres que vem lavrar a terra no Brasil no início do século XX e gerações depois, os netos desses japoneses fazendo o caminho inverso para trabalhar nas fábricas do país no final do século. Ou seja, o impacto desses movimentos se fez tanto aqui quanto lá, na terra do sol nascente.
Sobre o autor:
Oscar Nakasato nasceu em Maringá, Paraná, em 1963. Doutor em literatura brasileira, é professor na Universidade Tecnológica Federal do Paraná e autor da tese Imagens da integração e da dualidade: personagens nipo-brasileiros na ficção (Blucher, 2010). Seu romance de estreia Nihonjin ganhou o prêmio Benvirá de Literatura (2011), o prêmio literário Nikkei — Bunkyo de São Paulo (2011) e o Jabuti na categoria romance (2012). Foi colaborador do caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo, com resenhas críticas acerca da literatura japonesa.
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