Samba Fandango é puro feitiço. Como uma reza forte, Andreas Chamorro usa seu texto para encantar quem o lê e entrega sem amarração ou preconceitos, o crime e a violência na periferia. Caminha para dentro do morro e encontra a margem da margem periférica em corpos – territórios de mulheres cis e trans, travestis e gays.
Houve uma tragédia no morro
Uma gota de sangue
E um pedido de socorro
(bis)
Olha, meu senhor, não me prenda, não
Pois eu sou da lei do cão
Matei e não estou arrependida
Se não tivesse matado
Eu teria morrido
(bis)
(cantigas de pombagira)
Como uma representação da tragédia acontecida a Ana Rubro Negra, a personagem travesti do romance Cidade de Deus, de Paulo Lins, publicado pela Companhia das Letras, 2002, o romance, Samba Fandango, de Andreas Chamorro, publicado pela ABOIO, traz os descaminhos de tantas outras mulheres em situação de risco e vulnerável, na maioria das vezes invisibilizada ou soterrada por outras violências.
Neste livro, você acompanha a vida de Titânia, que se envereda em uma trama a partir do assalto a um carro-forte. A articulação e execução do crime por uma quadrilha de travestis, que desafiou o poder da facção que comandava o fictício Morro do Oroguendá desde os anos 1980.
Linguagem enfeitiçada de Andreas Chamorro
Entretanto, há muito mais a ser desvendado sobre os desejos dessas pessoas, que vão além do domínio na favela e transbordam nas conjunções familiares, constituídas pelo sangue, pelo santo ou pelo crime. E desta maneira encaramos a favela, a vida de maneira contracolonial.
Nêgo Bispo (2023), quando questionado sobre como contracolonizar falando a língua do inimigo, respondeu:
“Vamos pegar as palavras do inimigo que estão potentes e vamos enfraquecê-las. E vamos pegar as nossas palavras que estão enfraquecidas e vamos potencializá-las. […] E, assim, vamos falar português na frente do inimigo sem que ele entenda. A favela adestrou a língua, a enfeitiçou. Temos que enfeitiçar a língua”.
E é exatamente isso que Andreas faz: ele contracolonizou a língua e se manifestou por meio de uma linguagem enfeitiçada. Ao contar a história de Titânia, ele usa termos como adurá, Obaluaiê, ogã, ebó, obi, que nos foram privados e que agora é se coloca à frente do leitor como uma visita ao passado, que ainda se faz presente e futuro.
Um respiro para além da linguagem que nos é apresentada em livros que se repetem e que não oferece condições mínimas para imaginar singularidades que só podem ser contempladas por quem tira a venda preconceituosa dos olhos e se abre para o novo e o diverso.
Sobre o autor, Andreas Chamorro
Andreas Chamorro nasceu no ano de 1994 e é escritor, editor e autodidata. Publicou a coletâneas de contos Divindades Solitárias, pela Editora Kotter, em 2021) e A orgia perpétua ou o relatório de Pimenta, pela Editora Patuá, em 2023.
Ele publicou em antologias como a Zarpadas (Abarca Editorial, 2023) e em diversas revistas digitais. Trabalhou na Editora Patuá como editor em aproximadamente 15 títulos. “Samba Fandango”, é seu segundo romance e foi contemplado pelo Programa de Ação Cultural (ProAC).
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Fontes:
SANTOS, Antônio Bispo dos. A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu Editora/PISEAGRAMA, 2023.