Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, conhecida pelo pseudônimo Adília Lopes, faleceu no mês de dezembro de 2024, aos 64 anos, em Lisboa. A poeta, cronista e tradutora portuguesa teve sua estreia literária em 1984, publicando no Anuário de Poesia de autores não publicados da Assírio & Alvim. Na carreira acadêmica, abandonou o curso de Física em razão de sua doença. Alguns anos depois, ingressou na licenciatura em Literatura e Linguística Portuguesa e Francesa, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1983.
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Considerada um dos nomes significativos da literatura portuguesa contemporânea, sua poesia era permeada pela ironia, humor e melancolia. Costumava abordar temas do cotidiano, principalmente questões femininas, investindo numa linguagem coloquial e concisa. Estão entre alguns títulos publicados mais conhecidos: Um Jogo Bastante Perigoso (1985), O Poeta de Pondichéry (1986), Obra (2000), Dobra (2009). Ela colaborou ainda com artigos, poemas e traduções para diversos jornais e revistas, nacionais e estrangeiros.
Reunimos alguns poemas. Confira:
QUADRA JÁ ANTIGA
A rapariga que esperava muito
as cartas do namorado
que lhe escrevia muito pouco
casou-se com o carteiro
Só gosto das pessoas boas
quero lá saber que sejam inteligentes artistas sexy
sei lá o quê
se não são boas pessoas
não prestam
O mal
é banal
O mistério
maior
é o mistério
do bem
Gosto das cebolas
e das pessoas
Mas as pessoas
são como as cebolas
fazem chorar
(dito por Maria de Lourdes Belchior)
Esta música
é linda
mas não anula
o sofrimento
não traz de volta
à vida
aqueles que amei
e que já morreram
Não gosto tanto
de livros
como Mallarmé
parece que gostava
eu não sou um livro
e quando me dizem
gosto muito dos seus livros
gostava de poder dizer
como o poeta Cesariny
olha
eu gostava
é que tu gostasses de mim
os livros não são feitos
de carne e osso
e quando tenho
vontade de chorar
abrir um livro
não me chega
preciso de um abraço
mas graças a Deus
o mundo não é um livro
e o acaso não existe
no entanto gosto muito
de livros
e acredito na Ressurreição
de livros
e acredito que no Céu
haja bibliotecas
e se possa ler e escrever
A propósito de estrelas
Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas
Arte poética
Escrever um poema
é como apanhar um peixe
com as mãos
nunca pesquei assim um peixe
mas posso falar assim
sei que nem tudo o que vem às mãos
é peixe
o peixe debate-se
tenta escapar-se
escapa-se
eu persisto
luto corpo a corpo
com o peixe
ou morremos os dois
ou nos salvamos os dois
tenho de estar atenta
tenho medo de não chegar ao fim
é uma questão de vida ou de morte
quando chego ao fim
descubro que precisei de apanhar o peixe
para me livrar do peixe
livro-me do peixe com o alívio
que não sei dizer