“Abraço de Mãe” (2023): traumas e enchentes são pano de fundo para terror latino-americano

Quando falamos em cinema de terror no Brasil, logo pensamos em Zé do Caixão. Mas antes ainda da partida do querido José Mojica Marins em 2020, o cinema brasileiro já dava sinais de que aprendeu a fazer filme de terror de qualidade. Tomemos como exemplo “As Boas Maneiras”, enraizado em nosso rico folclore e ao mesmo tempo costurando uma narrativa sobre os horrores que podem surgir na vivência da maternidade. Partindo também da maternidade temos o novo terror multinacional “Abraço de Mãe”, disponível no catálogo da Netflix.

A história começa no Rio de Janeiro, no verão de 1973. Aninha é levada pela mãe (Chandelly Braz) para um parque de diversões onde entram numa bizarra boneca gigante com partes anatômicas do interior do corpo humano. Na volta, a mãe coloca fogo no apartamento e se deita com Aninha, que havia sido previamente drogada para não atrapalhar o plano. Mas ela atrapalha.

Passam os créditos, estamos ainda no Rio de Janeiro, mas agora no verão de 1996. Crescida, Ana (Marjorie Estiano) trabalha no Corpo de Bombeiros, mas esteve recentemente afastada dos resgates na rua após entrar em choque durante uma missão num incêndio similar ao da sua infância. De volta ao batente, ela não pode evitar ser assombrada por visões da mãe, morta há pouco tempo, mas com quem ela não falava há mais de vinte anos.

Primeiro, num caso que poderia acabar num choque mortal, Ana pisa no que parece ser uma presa de um ser gosmento com tentáculos. Então, a equipe é chamada para ajudar no caso de um desabamento. Chegando ao local indicado, não encontram desabamento algum, mas descobrem que o lugar é uma insalubre clínica para idosos administrada por Ulises (Javier Drolas). O trio de bombeiros que atende ao chamado decide evacuar a casa e interditá-la, mas isso não será tarefa fácil.

Sons assombrosos criam um clima de suspense mais do que qualquer outro elemento do filme. Opta-se por sugerir e não revelar. Os silêncios, quando presentes, servem também para criar suspense, o que nos permite declarar que são silêncios bastante eloquentes.

Ana é nossa “final girl”, embora seja desde o começo a única “girl” do grupo. O termo “final girl” se refere à última sobrevivente nos filmes de terror, aquela que em geral sobrevive para confrontar o vilão ou para contar a história depois. Este termo foi criado por Carol J. Clover em seu livro “Men, Women, And Chain Saws: Gender In The Modern Horror Film”, de 1992, que analisa o gênero slasher, mas o tropo existe em outros tipos de filmes de terror e desde sua concepção já foi muitas vezes subvertido.

A narrativa se desenrola durante um período de intensas chuvas, que causam enchentes no Rio há muitas décadas – séculos até: em 1570 o Padre Anchieta já deixava registrado seu espanto pela violência das chuvas! É tanto tempo enfrentando o mesmo problema que foi inclusive tema de crônica de Carlos Drummond de Andrade, com a qual me deparei quando fiz vestibular. No filme, a chuva e as enchentes são obstáculos: tornam mais demorada a chegada da equipe de apoio para, ironicamente, resgatar a equipe de resgate no asilo. A chuva se torna, assim, mais um elemento de suspense.

Para demonstrar que a porta estava trancada, surge do nada uma família de chineses que só se comunica em mandarim. Um dos membros, interpretado por Chao Chen, dá cabeçadas na porta para que ela abra. Ele só é visto mais uma vez, com todos da casa reunidos para a evacuação, e desaparece.

Locais onde pessoas ficam encarceradas muitas vezes contra a vontade são ambientes perfeitos para histórias de terror. Para provar isso taí “American Horror Story: Asylum”, uma das melhores – se não a melhor – temporadas da série de antologia. Mas muitos destes locais são ou foram reais, e foram cenário de muitas histórias terríveis acontecidas na vida real. Temos então o exemplo do filme “Ninguém Sai Vivo Daqui”, sobre o hospital psiquiátrico de Barbacena. O horror também vive na nossa História.

“Abraço de Mãe” é uma co-produção latino-americana com orgulho. A direção fica a cargo do argentino Cristian Ponce. Não é novidade para ninguém que o cinema argentino é o mais laureado da América Latina – o que não necessariamente nem automaticamente faz dele o melhor da região. Assim sendo, o intercâmbio com profissionais diversos dos cinemas hermanos vem se provando muito benéfica, como fica claro aqui.

Podemos afirmar que o problema de que “Abraço de Mãe” sofre é a falta de foco, para além do personagem inútil que surge e some com a mesma rapidez e sem explicação. Não se decidiu se seria feito um filme sobre traumas ou se estes seriam apenas fonte de um terror maior. Mas a película vale a pena, nem que seja para calar quem diz que bom cinema do gênero terror não é feito abaixo do Equador.

Assista ao trailer:

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