A linha como organismo vivo em “O corpo da linha”, novo livro de Edith Derdyk

Exposição Alfabeto da Reta - Edith Derdyk. Local: Centro Cultural Maria Antonia da USP, prédio Joaquim Nabuco. Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A partir de uma arqueologia da linguagem do desenho e da escrita, novo livro de Edith Derdyk, “O corpo da linha” nasce de uma investida crítica contra usos e noções cristalizadas, e desafia a persistência do cânone nas práticas artísticas e educacionais.

“Edith Derdyk é uma artista radical. Não se contenta em ficar na superfície das coisas. Está permanentemente experimentando, dando continuidade a uma pesquisa incansável acerca do desenho – seu tema e sua linguagem por excelência –, tentando entendê-lo não como mero instrumento de representação, mas como forma de estar no mundo.”_Maria Hirszman, ARTE!Brasileiros
“Edith Derdyk traz os livros como matéria-prima, transforma-os, mais uma vez, em obras. Pensamento e palavra sempre foram questões de sua prática artística – ela também tem uma ampla produção reflexiva, publicada em edições ou livros de artista.”_Camila Molina, O Estado de S. Paulo

Em O corpo da linha: notações sobre desenho, Edith Derdyk alinhava aproximações nucleares entre a constituição orgânica e a atividade construtiva da linha com os bastidores do ato de desenhar. 

Edith vê a escrita como um esboço que almeja tocar a célula da linha, o grão da linha, o DNA da linha, antes desta executar alguma forma figurada ou representacional. “Indagar do que é feito o corpo da linha e fabular esse corpo será o impulso nutritivo que anima tal escrita”, argumenta.

Este é um livro orgânico, que comporta muitas trilhas possíveis. Com texto filosófico e poético, Derdyk neste trabalho faz interseções com suas experiências anteriores e também trabalhos de outros artistas. Para a composição dos textos e imagens de O corpo da linha, Derdyk dialoga com Flavio Motta, Mário de Andrade e Vilanova Artigas, além de Tim Ingold. Também são incorporadas as experiências de Fernand Deligny, as expressões sobre a linha de Deleuze e ressonâncias da poesia de Fernando Pessoa e João Cabral de Melo Neto, bem como reflexões de artistas como Amilcar de Castro e Ingres.

O texto de Derdyk busca explicitar e reconhecer o desenho como um dos elementos fundamentais do pensamento. Uma das mais representativas artistas contemporâneas das artes visuais e da palavra, neste livro inovador Edith Derdyk entrelaça imagens poéticas e inserções informativas e históricas que desconstroem a compreensão tradicional da linha no ambiente de aprendizagem, desafiando a persistência dos cânones clássicos, ainda presentes nas práticas artísticas e educacionais. 

Segundo aponta a pesquisadora Cristina Paiva no texto de capa, “Derdyk parte de uma investida crítica contra usos e noções cristalizadas que aprisionam nosso modo de pensar e de nos comunicarmos operando um desmonte poético desses sistemas, revelando as origens históricas e culturais de determinadas restrições e usos, e questionando essas limitações.”

Composições corporais 

No livro, Edith Derdyk atribui 18 “composições corporais” à linha, como “linha-membrana” e “linha-performativa”, e classificados numa gramática da linha. Embora se enquadre num sistema, a linha tem corpo e é repleta de subjetividades. “Mais do que metáfora, a linha, em si, é o próprio desenho da vida, em incessante (per)curso”, opina Edith. “Elemento constitutivo do desenho, entendo a linha como sendo estruturante para o pensamento e a percepção: é partitura coreográfica. A linha, aqui compreendida como um corpo que transita nos tempos e nos espaços, marca presença na vida de muitos modos: nos fluxos, nas cartografias, nas manifestações da natureza, nas relações afetivas, nas dinâmicas sociais, nas intensidades dos desejos, enfim, no modo como organizamos e realizamos todas as nossas atividades”, afirma a autora.

Em suas memórias, Edith remonta à infância para os primeiros contatos com a linha, numa cena de rabiscar em uma lousa.A vantagem da passagem do tempo, nosso aliado e nosso inimigo, avançando sobre nossas vidas é ir costurando as memórias e projetando futuros, percebendo o que fica e o que escapa agora, já, no presente. É uma memória sensorial, uma cena que ficou gravada na minha matriz corporal. São enigmas que refletem nossas mitologias pessoais: sabe-se lá por que que o gesto do rabiscar, em si, preponderou como campo de sentidos sobre a necessidade representacional. O enfrentamento físico do gesto de desenhar me conectou às fabulações sobre a origem do desenho, à necessidade de investigar que a ação de produzir linhas são imantadas por uma memória coletiva e atávica”, explica a autora.

Leia também: Edith Derdyk: A maquinaria poética do desenho

“O corpo da linha é o casulo de uma vida”, diz a artista Julia Panadés em texto de apresentação. Para ela, este é um livro que “poderia ser ensaiado em um espaço cênico: a maquinaria têxtil, o ateliê de costura, a trama na confiança da urdidura. O ensaio da linha desenha o desenho, mas não apenas: Edith encena aquilo que ensina, e o faz na enumeração giratória do novelo.”

Em O corpo da linha, Edith Derdyk nos mostra que é possível deixar a linha – e o corpo – sonhar. 

Sobre a autora

Artista, escritora e educadora nascida e radicada em São Paulo, Edith Derdyk realiza exposições coletivas e individuais desde 1981 no Brasil e no exterior. Com uma carreira marcada pela exploração da linha como elemento central em suas obras, Edith se destaca por sua abordagem multidisciplinar e investigação sobre o desenho e seus desdobramentos. Com uma obra que abrange desenhos, instalações, esculturas e livros de artista, Edith tem sua produção conhecida pela abordagem conceitual e poética que emprega, em que a linha se torna uma metáfora para o pensamento, o corpo e a memória. Muitos de seus trabalhos envolvem a repetição, a trama e a tensão, explorando as fronteiras entre o bidimensional e o tridimensional, entre o espaço e o tempo. Publicou livros como “Formas de pensar o desenho: gesto, memória, traço” e “Linha de costura: a construção do desenho”.

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