Filmes brasileiros produzidos com ou para empresas de streaming têm me preocupado ultimamente. Um dos meus primeiros textos aqui no Nota foi sobre Biônicos, onde comento que essas obras costumam privilegiar um espectador que não assiste aos filmes. Mas outro mal parece se manifestar nesses trabalhos, algo que chamarei de “verniz de competência”, e que se aplica especialmente a Maníaco do Parque.
“Verniz” pois, na superfície, podemos nos referir à obra como “bem-feita”, com um subtexto pertinente, uma protagonista complexa, iluminação e montagem claras, e um ritmo célere que não faz ninguém perder a paciência, além de evitar certas polêmicas do gênero true crime, fugindo da glamourização do maníaco e respeitando as vítimas do serial killer. Tudo aparentemente muito certinho e no seu lugar.
Mas tudo isso se desmonta diante da execução, profundamente desinteressante, onde nem o Maníaco, interpretado por Silvero Pereira, é explorado devidamente, e nem a protagonista Elena (Giovanna Grigio), a ficcional repórter novata que descobre o serial killer, causa muito impacto. Pior: o roteiro tenta se valer de uma “mensagem importante” ao final de tudo para agradar quem acredita que o cinema deve se valer de lições de moral para produzir algo “bom”.
Duas temáticas são importantes em Maníaco do Parque: o sensacionalismo midiático que acompanhou o desenvolvimento do caso e o machismo da sociedade brasileira. Elena é introduzida apresentando uma matéria sobre uma mulher que foi atropelada pelo marido, e seu editor, Vicente (Marcos Pigossi), a recusa, dizendo que falta algo à reportagem: “O que essa mulher fez para merecer ser atropelada pelo marido?”.
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Contudo, a obra parece acreditar que críticas a essas duas pautas devem se resumir a dizer as coisas certas e colocar Elena reagindo a esses elementos. A protagonista sofre nesse contexto, pois ela é menos uma pessoa do que um símbolo da virtude que o filme deseja expressar. O máximo de sombra que lhe é permitido ter é uma obsessão com descobrir quem é o Maníaco. O sucesso que suas matérias sobre o caso conquistam não a afeta em nada, ela nunca é nada menos que uma excelente e justa profissional, pronta para declarar a moral da obra, pois o roteiro confia que basta dizer algo para se tornar verdadeiro. Como conciliar essa crítica à mídia com a presença de Gilberto Barros no longa, um homem que deve sua carreira a esse tipo de coisa, eu não sei.
Mesmo algo visivelmente precioso à produção, como críticas ao machismo, soa falso diante do que o filme realmente faz, que é dar pouquíssimo espaço para que as vítimas sejam outra coisa senão vítimas, isso quando elas não se resumem a um breve insert entre uma cena e outra, ou uma montagem onde as sobreviventes dizem seus nomes.
Similarmente, Maníaco do Parque fica tão preocupado em não tornar seu biografado uma figura simpática que acaba não se aprofundando em sua personalidade, e empurra o personagem para uma caricatura. Pereira não tem muito espaço para ser nada além de um homem que faz caras e bocas quando sua psicopatia aflora.
Isso tudo é embalado por uma iluminação chapada, digna de comercial de televisão, que lima qualquer aspecto urbano de São Paulo com seu tom azulado, e por uma trilha sonora composta inteiramente por músicas em inglês, mesmo a do rapper Xamã, que também atua no filme. Na busca por um produto “redondo” e “competente”, que busca agradar e jamais ofender qualquer pessoa, Maníaco do Parque só tem a oferecer boas intenções, que jamais se concretizam na forma da obra.