“Caderno Proibido”: o PROIBIDÃO nas cartas de Alba de Céspedes

o caderno proibido

A escrita epistolar é, sem dúvida, uma das que mais me cativam. Gosto do modo como as palavras se manifestam espontaneamente e delimitam uma cadência de leitura constante e muitas vezes repetitiva, mas de nenhuma forma, cansativa, e isso, é possível encontrar em o “Caderno Proibido”.

O gênero me deixa criar uma intimidade com a narradora; começo então a conhecer sua rotina, como ela se sente; me compadeço e me imagino no mesmo lugar em algumas situações.

As desventuras de Valério no Caderno Proibido

Leio diários, cartas e encontrar o Caderno Proibido de Valéria, esta narradora que ganha voz pelas mãos de Alba de Céspedes, foi um encanto.

Uma grata surpresa e uma leitura que se estendeu mais do que normalmente duraria, caso eu não me envolvesse emocionalmente entre as violências silenciosas as quais Valéria se expõe e suas repentinas tomadas de consciência sobre seu lugar no mundo e as condições nas quais ela se encontra frente ao marido, aos filhos, à sua mãe, e sobretudo ao relacionamento confuso que estabelece com seu chefe.

Enquanto Valéria relata suas desventuras, também compartilha as histórias proibidas de seus pares: uma filha que se relaciona com um homem casado; um filho que não sabe o que fazer com a namorada grávida; um marido que sai nas madrugadas para encontrar com sua amiga de infância.

A ironia é que o caderno proibido pertence a ela, que tem uma vida totalmente despretensiosa e abarrotada de obrigações comuns a uma mulher que vive em uma Itália do pós-guerra, ainda confusa sobre o lugar que deve ocupar no mundo.

“Antes eu sempre ficava amargurada quando os meninos saíam e agora, ao contrário, desejo que o façam para poder ficar sozinha e escrever. Jamais havia considerado que, dada a exiguidade de nossa casa e o meu horário de expediente, quase nunca tenho oportunidade de ficar sozinha”.

É PROIBIDÃO mesmo?

O caderno proibido de Valéria é como um grande confidente da história alheia, até que sua própria vida passa a ter “o molho” necessário para honrar a função do caderno para si mesma: abrigar segredos, os mais “pecaminosos” possíveis: O proibidão da Valéria, que poderia ser um audacioso baile funk, se torna um ‘dramão’ daqueles de chorar largado no banco da praça.

Em diversos momentos torci por Valéria e para que ela subvertesse o sistema, saísse da casinha, constituísse sua própria história a partir dos seus desejos, seus princípios, mas ela vai, chega na beira do precipício e ao contrário de Telma e Louise, dá mil passos para trás e continua sua vida como se aquele caderno nunca existisse.

Desesperadamente rançoso, mas real. Mais real, impossível. A escrita no caderno, pelas madrugadas à dentro, serviu de muletas para aquela mulher que não conseguiu dar muitos passos para além daquilo que as crenças religiosas e o controle social lhe impôs e permitiu.

“Nunca permitia que eu ficasse à toa, nunca se esquecia de mim. Se, por um momento, não me visse, entrava no meu quarto e perguntava o que eu estava fazendo. ‘Uma mulher jamais deve permanecer desocupada’, ela dizia”.

O caderno não liberou Valéria!

Eu sei, eu sei! Era uma mulher, no pós-guerra, vivendo em uma sociedade patriarcal, sem nenhuma perspectiva de mudança e apegada àquilo que as pessoas esperavam dela, se limitando a isso e seguindo para a repetição dos dias, enquanto se inconformava com a modernidade que esfregavam em seu nariz.

O caderno não libertou Valéria, a escrita não cumpriu esse papel, ou talvez tenha cumprido de maneiras que eu, mulher, feminista nascida no século XX e resistente no século XXI, não consiga compreender.

Experimentar a liberdade da escrita e tantas outras liberdades podem ter deixado, esta leitora que vos fala, um tanto insensata e ver as pequenas conquistas de mulheres, em um tempo que não consigo compreender, nem aceitar, muito menos cogitar me submeter.

Por isso, quero dizer finalmente neste texto que não é proibido, que o texto da Alba Céspedes é um angustiante convite para entender que se constituir mulher neste mundo sempre foi difícil para a maioria de nós, e ainda o é.

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