“Amarelo-cromo”: o marcante início de Aldous Huxley na literatura

Amarelo-cromo, de Aldous Huxley, é a leitura ideal para os que gostaram de O grande Gatsby (1925), de F. Scott Fitzgerald, Admirável mundo novo (1932), também de Huxley, e de Saltburn (2023), o polêmico filme de Emerald Fennell. Com tradução de Adriano Scandolara, Amarelo-cromo entrou recentemente para a coleção do autor inglês que está sendo gradativamente publicada pela Biblioteca Azul — e que agora conta com quase 20 livros! Até o momento nossas estantes já podem contar com as edições e traduções de As portas de percepção e Céu e inferno, O macaco e a essência e Os demônios de Loudun, por exemplo, além do célebre e anteriormente mencionado Admirável mundo novo

Ainda que Amarelo-cromo seja o primeiro romance de Huxley, não é difícil encontrarmos os temas que, nos anos mais maduros de sua carreira literária, virão a se estruturar de maneira mais solidificada e cada vez mais ácida. Antes de explorarmos a narrativa é necessário, porém, entender o contexto por trás de Amarelo-cromo. Apesar de não se saber ao certo quando a obra passou a ser escrita, temos conhecimento de que foi publicada em 1921. Assim sendo, nos deparamos com um contexto de Primeira Guerra Mundial (e de pós-guerra também, se levarmos em consideração o ano de publicação), regado por um pessimismo de que a vida de todos poderia se esvair a qualquer instante. Imersos num sentimento contínuo de melancolia, juntamente ao da necessidade de viver enlouquecidamente o hoje – porque não se sabia se o amanhã chegaria -, a sociedade e seus parasitas passam a ficar ainda mais em evidência. 

Assim como em obras como O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, mencionado anteriormente, perceberemos justamente como, quando uma chaga fica em evidência na sociedade, a literatura também será escrita de modo a evidenciar o que na realidade está escancarado. Ainda que o texto de Fitzgerald tenha sido escrito quatro anos após Amarelo-cromo, é possível notar como a crítica aos ricos e suas banalidades terão grande peso na composição de textos do período. Se Gatsby nos mostra como o Sonho Americano é uma ideologia mentirosa e ilusória, em Huxley analisaremos outra parte da farsa dos ricos: ainda que esses milionários pareçam cultos, cheios de pompa e que recorrentemente tragam a tona assuntos de suma importância, como a religião ou o verdadeiro significado da vida, logo deixaram escapar que são, na verdade, figuras completamente esvaziadas. 

Em Amarelo-Cromo seremos guiados pelo protagonista Denis, um jovem poeta de 23 anos, que se hospeda numa mansão em Crome, no interior da Inglaterra, para passar o período das férias ao lado de artistas excêntricos e bem de vida. Inserido nesse ambiente, que pouco a pouco vai trazendo certo grau de melancolia até para as leitoras e leitores, Denis, pela escrita de Huxley, explora as dinâmicas de poder, vaidade, hipocrisia e o vazio existencial que permeia a vida dos personagens. Ainda, nosso jovem poeta começará a compreender como a vida flutua entre leve e pesada a depender das individualidades e diferentes fardos existenciais. 

“ […] — Por que você não pode só aceitar as coisas de um jeito espontâneo? — perguntou. — É tão mais simples.


— Claro que é — disse Denis. — Mas é uma lição que se aprende gradualmente. Tem vinte toneladas de raciocínio para se descartar antes disso.”

Enquanto alguns personagens querem focar em horóscopo de cavalos, por exemplo, notamos que Denis não consegue se colocar naquele ambiente e se emaranhar nas futilidades daquela alta sociedade tão esvaziada. Para tanto, destaco uma frase que me parece definir bem qual rumo tomam os pensamentos do protagonista ao longo do livro: “Não consigo aceitar nada sem discutir, não consigo aproveitar nada do jeito que me chega. A beleza, o prazer, a arte, as mulheres… preciso inventar uma desculpa, uma justificativa para tudo que é prazeroso. Do contrário, não consigo aproveitar nada de consciência tranquila”. 

Pensando nos demais personagens, notamos que todos são estruturados a partir de um estereótipo. Por exemplo, Anne e Henry Wimbush, os anfitriões, representam, respectivamente, o quê de futilidade dos ricos e o intelectual extremamente pedante; Priscilla Wimbush, é uma verdadeira obcecada por ocultismo. Devo dizer que um personagem que acabou chamando ainda mais minha atenção é o sr. Barbecue-Smith; mas, para falar dele, quero me deter à análise de um capítulo em específico.

Leia também: E se Orwell, Huxley e Bradbury tivessem acertado?

Ligue o Niágara do Infinito

Um assunto que é muitas vezes trabalhado por escritores e poetas é o da Inspiração. Octavio Paz, por exemplo, em seu livro O arco e a lira, abordará o seu ponto de vista em relação a essa pauta. Em certo trecho do texto que se detém exclusivamente a esse tema, o autor discute como alguns acreditam que um poeta é autossuficiente, então não depende de qualquer fator externo para compor seus versos; outros, porém, discordam que de fato exista uma maneira de ser autossuficiente quando o assunto é literatura. Também podemos nos lembrar de Luigi Pirandello, que conta como chegou à conclusão sobre as personagens que protagonizariam sua brilhante peça Seis personagens à procura de um autor. O autor italiano afirma que, em um momento de insight, quase como uma visão, ele viu um homem de cinquenta anos em sua frente — e assim as mãos da Inspiração o levaram a compreender quem seriam as figuras sob o holofote de sua nova obra. 

Introduzindo esse assunto, podemos partir para o Capítulo VI de Amarelo-Cromo, quando Denis e o excêntrico sr. Barbecue-Smith discutem tal questão: “— O segredo para escrever — disse ele (sr. Barbecue-Smith), soprando no ouvido do jovem —, o segredo para escrever é a Inspiração”. Denis, se afundando aos poucos na pauta que o homem estava introduzindo naquele encontro, questiona ao homem: mas e aqueles que não tem inspiração? A resposta que o jovem poeta recebe de Barbecue-Smith é: “O senhor me pergunta o que fazer quando a pessoa não tem Inspiração. Eu digo: o senhor tem Inspiração; todo mundo tem. É simplesmente uma questão de fazê-la funcionar.” 

É curiosa a forma como a conversa se desenrola a partir disso, visto que o escritor mais velho conta que a sua Inspiração funcionava como uma espécie de hipnose; inclusive, menciona que em um desses momentos hipnóticos escreveu cerca de quatro mil palavras — e assim soube que a Inspiração o havia visitado. Mas, afinal, como se cultiva a Inspiração? Como ativá-la para que sua visita seja próspera e certeira? Quase como o Palácio da Memória, de Sherlock Holmes, sr. Barbecue-Smith explica para Denis que bastava que entrasse em contato com seu Subconsciente. “Entre em contato com o Subconsciente e você estará em contato com o Universo”, e, ainda, “Deixe o seu Subconsciente trabalhar por você; ligue o Niágara do Infinito”. E seria a Inspiração, então, uma espécie de estado meditativo? De muito valerá esse apontamento aos que, assim como leitores, são igualmente escritores. 

Em linhas gerais, acredito que, em Amarelo-Cromo, Aldous Huxley emprega o humor para lapidar uma crítica à superficialidade de uma sociedade que, mesmo após o massacre sanguinário da guerra, segue refém da futilidade. Certamente um leitor que se deparou com essa obra logo em 1921 já imaginava que a carreira de Huxley estava destinada a trazer à tona uma porção de temáticas que jamais deixariam de ser pautas relevantes. 

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Sobre o autor

Aldous Leonard Huxley nasceu em 26 de julho de 1894 no condado de Surrey, na Inglaterra. Em 1932 publicou o clássico “Admirável mundo novo” e em 1954 narrou suas experiências com mescalina em “As portas da percepção”. Huxley morreu em 22 de novembro de 1963. Dele, a Biblioteca Azul publica “Admirável mundo novo”, “Moksha”, “A ilha”, “O tempo deve parar”, “A situação humana”, entre outros títulos.

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