Maria do Rosário Pedreira é uma das representantes da literatura contemporânea portuguesa. Formou-se em Línguas e Literaturas Modernas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e ingressou na carreira editorial, atuando, hoje, como editora de literatura portuguesa. Começou a escrever ficção juvenil com duas coleções que foram adaptadas à televisão e venderam cerca de um milhão de exemplares. Além de poesia, publicou livro de crônicas, romance e contos dispersos em revistas e antologias.
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Poesia Reunida, publicada pela editora Quetzal, em 2012, é composta por 4 livros: A casa e o cheiro dos livros (1996), vencedor do Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho; O canto do vento nos ciprestes (2001); Nenhum nome depois (2004) e A ideia do fim (2012), livro premiado pela Fundação Inês de Castro. Suas obras foram traduzidas em várias línguas e publicadas em volumes independentes, revistas e antologias em diversos países.
Seus poemas carregam, geralmente, certa melancolia e intimidade, já que o eu lírico busca constantemente reencontrar a figura amada. Nessa expectativa de reviver o passado, a frustração, por vezes, manifesta-se predominante, principalmente, em razão da não concretização desse sentimento amoroso.
Confira alguns poemas:
Ainda bem
que não morri de todas as vezes que
quis morrer — que não saltei da ponte,
nem enchi os pulsos de sangue, nem
me deitei à linha, lá longe. Ainda bem
que não atei a corda à viga do tecto, nem
comprei na farmácia, com receita fingida,
uma dose de sono eterno. Ainda bem
que tive medo: das facas, das alturas, mas
sobretudo de não morrer completamente
e ficar para aí — ainda mais perdida do que
antes — a olhar sem ver. Ainda bem
que o tecto foi sempre demasiado alto e
eu ridiculamente pequena para a morte.
Se tivesse morrido de uma dessas vezes,
não ouviria agora a tua voz a chamar-me,
enquanto escrevo este poema, que pode
não parecer — mas é — um poema de amor.
Se partires, não me abraces — a falésia que se encosta
uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
e sonha com viagens na pele salgada das ondas.
Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces —
o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
nos dias sem ninguém — longe de ti, o corpo não faz
senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta
as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto
espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.
Se me abraçares, não partas.
Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.
No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida – como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida
foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama
e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos,
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.
O sono retirou-se do meu corpo e as cigarras
atormentam as minhas noites. Depois de teres
partido, os lençóis da cama são como limos frios
que se agarram à pele. Porém, se me levanto,
não faço mais do que arrastar a solidão pela casa;
talvez procure ainda um gesto teu nos braços
do silêncio, como um pombo cego a debicar
as sombras na única praça deserta da cidade —
o amor nunca aprendeu a ler nas linhas da mão.
O meu amor não cabe num poema – há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
ou quartos que os gestos não preenchem.
O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto –
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura da mão que protege a chama que estremece.
O meu amor não se deixa dizer – é um formigueiro
que acode aos lábios como a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente dos segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.
O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome – é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. Nenhum poema
podia ser o chão da sua casa.
Que é das palavras? Como chamar
por quem as esconde se, sem elas,
nem o silêncio tem nome?
De que me serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu
recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para eu parar, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti
que eu corria o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,
mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.