“Mar aberto”, de Caleb Azumah Nelson, provoca o protagonismo branco em histórias sobre sensibilidade, traumas e amor

O romance de estreia do autor já ganhou os prêmios Costa, em 2021 e British Book, em 2022, na categoria romance de estreia

Você foi a um pub em Londres e conheceu o amor da sua vida — em uma história entrelaçada pela força da vulnerabilidade, pelo racismo e pela construção social do homem negro. Sim, você, não importa quem você seja, isso aconteceu com você. Quer dizer — se você for um dos leitores de ‘Mar aberto’, de Caleb Azumah Nelson (traduzido por Camila Von Holdefer, publicado no Brasil pela editora Morro Branco em 2024).

O romance foi publicado em 2021 e suas 203 páginas foram agraciadas com os prêmios Costa 2021 e British Book 2022, na categoria romance de estreia. Caleb, além de escritor, é também fotógrafo, filho de imigrantes ganeses, leitor voraz e formado como um dos únicos alunos negros dentro de uma instituição de renome em Londres, na qual foi bolsista.

Coincidência ou não, em uma história bem semelhante a de seu protagonista.

“Mar aberto” narra a vida e as vulnerabilidades de um homem negro lutando para ser e pertencer dentro de um mundo assolada pelo racismo — tudo isso enquanto cruza o seu caminho com o de uma bailarina. O livro, no entanto, é muito mais.

Em entrevista com o portal The Guardian, Caleb conta que a escrita, para ele, vem mais do estômago do que do coração — e que a construção narrativa pode soar como uma grande improvisação de jazz: sofisticada, cheias de nuances e melodias que podem passar batido para o leitor.

“Nunca acelerado. Mas, quando estou escrevendo desse jeito, me encontro com a versão mais honesta de mim mesma. E provavelmente a melhor delas”.

O livro é escrito em segunda pessoa, e permite que o leitor tenha uma experiência imersiva na obra. Isso é, para além de um recurso narrativo bastante criativo, de uma importância estratosférica — já que consegue ensinar a quem lê o que é estar em um corpo negro vítima de suas vulnerabilidades dentro de uma Londres que traumatizou e segue traumatizando o protagonista até o fim das páginas.

A sofisticação e criatividade da escrita vão além: Caleb usa e abusa de suas habilidades fotográficas em cenas descritivas — que são carregadas de imagéticos de luz, sombra e brilho. Ler ‘Mar Aberto’ é quase como assistir a uma exposição de fotos delicada e sensível, mas que diz menos do que pretende. Para os leitores mais líricos e experimentais, essa pode ser a história que estava faltando na sua coletânea.

As vivências do personagem enquanto homem negro são também aprofundadas em uma narrativa que provoca a branquitude em seu local de protagonismo. Caleb constrói um debate sobre o corpo negro para além de sua força e superação. Por aqui, se questiona o valor da vulnerabilidade, e tudo o que se perde quando lhe é proibido acessá-la. A narrativa brinca com as noções de saúde mental, trauma e sensibilidade em cenas mirabolantes que misturam passado e presente. Podem parecer confusas de início mas, para quem se deixar perder os limites de temporalidade, são um deleite mental.

‘Mar aberto’ é sobre se entregar a si mesmo, a quem veio antes de nós e abraçar todas essas partes. Para você que precisa se lembrar disso de um jeito bastante diferente do convencional, recomendo a leitura.

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