Ibn Battuta, de Fátima Sharafeddine: toda viagem é um pouco como voltar à infância

A escritora brasileira Ruth Rocha, no auge dos seus 93 anos, lançou uma série de livros inéditos inspirados em seus netos. Durante o lançamento, um jornalista perguntou a ela sobre a função da literatura infantil na “educação”. Sua resposta foi comovente e certeira: “Educar não pode estar nas intenções de um autor. Não dá para explicar o que fazer na vida. A criança tem que tirar das histórias uma formação artística, moderna, inteligente.” E é dessa formação “artística moderna e inteligente” que quero falar hoje ao comentar o livro Ibn Battuta, de Fátima Sharafeddine. 

Ibn Battuta, de Fátima Sharafeddine, publicado pela Editora Tabla com tradução de Pedro Martins Criado e ilustrações de Hassan Amekan, é um livro voltado para público infantojuvenil que conta a história de um dos primeiros navegadores a desbravar os mares: o marroquino Ibn Battuta. 

Ibn Battuta viveu realmente ali no século XIV e empreendeu uma viagem por quase todo o mundo conhecido até então. Após décadas viajando, voltou para sua terra e contou suas histórias ao sultão que resolveu registrá-las em livro. Assim, temos contato, na obra, com as viagens e curiosidades colhidas pelo autor. 

No caso da adaptação de sua vida feita por Fátima Sharafeddine, o que chama atenção é justamente o caráter desbravador do autor, levando em conta as excentricidades de cada lugar e a tentativa de capturar o que de único há em cada cidade conhecida. Através de ilustrações que transformam o tenebroso mar em um espaço lúdico feito de pequenos círculos felpudos azuis, podemos também visitar por imagens alguns lugares conhecidos por Battuta. 

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Por exemplo, ele conta que foi até a cidade de Alexandria e se espantou com o porto e com o farol, enquanto que no Egito o fato mais marcante foi algumas hienas que roubaram suas tâmaras. Battuta conta também de quando quase sofreu um naufrágio no Mar Vermelho, mas sobreviveu, no fim das contas, o que lhe permitiu conhecer também outra parte do mundo.

Na Turquia, encontrou bichos soltos pastando sem um pastor a guiá-los, o que lhe chamou muita atenção. Em Xiraz, a surpresa foi ver que as mulheres se reuniam aos milhares mas mesquitas, sem nenhum homem, para rezar. Já na Rússia, o desafio foi suportar o frio que, segundo ele, congelava até a barba, enquanto que na China o espanto se deu por encontrar galinhas do tamanho de gansos. 

O que será de verdade que contém cada uma dessas histórias? Na verdade, pouco importa. O que importa é, e aí retomo a fala de Ruth Rocha lá em cima, é que Ibn Battuta faz uma espécie de educação pelo olhar, educação pela curiosidade e pelo desejo de tocar o outro. Uma ética e uma estética da coragem, de se desbravar o mundo. 

Assim, Fátima Sharafeddine consegue com seu procedimento fazer algo curioso: com que Ibn Battuta soe como uma criança que está descobrindo o mundo, como alguém que olha tudo pela primeira vez e, por isso, não está preocupado com poderes, guerras, crises, mas em como se comportam as pessoas nos diversos lugares do mundo. 

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