A maioria das pessoas começou a ler Kafka descobrindo na primeira linha que um sujeito virara inseto após sonhos intranquilos. O mistério, porém, é que se a gente soubesse que aquele era um livro de fantasia, tudo estava resolvido: ser inseto se torna algo normal naquela regra, daquele livro. Porém, Kafka monta uma armadilha: o livro é realista demais pra ser fantástico, e fantástico demais pra ser realista. É essa a machadada que A Metamorfose dá em nossas cabeças, nos ferindo e picando de todas as maneiras.
Da mesma forma, adentramos na obra do Processo em que um tal de Joseph K (K de Kafka ou uma incógnita qualquer?) é acusado em sua própria cama de um crime que não cometeu, mas pode ficar livre pra fazer o que quiser — mas ainda precisa se defender, mesmo sem saber como se defender. E as adversativas poderiam ir ao infinito, porque o livro é um labirinto cujas portas que vão se abrindo revelam ainda mais portas.
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A alegoria é evidente: é para isso que as leis foram inventadas — porém, nesse romance profundamente realista, temos a inversão de A Metamorfose. Aqui é o que se desloca do real que chama atenção: uma lavadeira no meio do tribunal, uma turma de meninas na casa do pintor, um acusado que mora embaixo da escada do seu advogado.
E aí nós temos um livro em que há um Castelo. Depois de tirar uma soneca na aldeia local, um sujeito, também chamado k, descobre que quem dorme lá está contratado. Agora ele é um agrimensor, mas precisa ir ao tal de Castelo para resolver suas pendências. Mas como chegar lá? E como entrar?
Assim como a lei do Processo, o Castelo faz esse sujeito, também chamado K, ficar às voltas das burocracias nesta obra labiríntica que nem chegamos a saber exatamente do que se trata.
Mas Kafka não é só isso: Aos 100 anos de seu falecimento, Franz Kafka é um machado em nós porque descobriu que palavra é soco, mas que palavra não é violência. Para ele, a palavra é uma forma profunda de opressão porque se mistura aos discursos, às instituições, à família – não à toa em sua Carta ao Pai ele diz que seu pai com uma palavra poderia silencia-lo pra sempre e esmagá-lo como uma barata.
Kafka viu o lado mais assustador do mundo: aquele que não muda jamais, aquele que faz de tudo pra permanecer igual. Ler Kafka é descobrir isso também. Antes a desgraça do romantismo do que esse mundo sem saídas, é o que pensava Kafka. Por isso, mas não só, é que suas obras são tão trágicas…por isso é que elas também nos fazem rir.
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