Os 8 melhores poemas de Leopoldo Lugones

Você já conhece os poemas de Leopoldo Lugones? Lugones foi um poeta argentino e homem de vasta cultura e o maior expoente do modernismo argentino. Além disso, foi uma das figuras mais influentes da literatura hispano-americana. Passou a infância e a adolescência em sua terra natal e, após uma breve temporada em Santiago del Estero, estabeleceu-se em Buenos Aires em 1895. Trabalhou no jornal El Tiempo e em 1897 fundou, com José Ingenieros, La Montaña, uma jornal socialista revolucionário.

Depois de alguns pequenos trabalhos, chegou à direção da Biblioteca Nacional de Professores. Fez várias viagens à Europa e viveu em Paris de 1911 a 1914. Colaborou em La Nación e obteve o Prêmio Nacional de Literatura em 1926. Em 1928 fundou a Sociedade Argentina de Escritores. O seu apoio ao golpe de estado de 1930, a desilusão que lhe causou e talvez uma profunda crise sentimental o levaram a uma depressão que culminou no suicídio.

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É notável a sua particular evolução política. Leopoldo Lugones começou como um firme defensor da ideologia socialista, cuja introdução na Argentina se deve, em parte, aos seus primeiros discursos políticos. No entanto, aos poucos foi recuando para posições mais conservadoras: após um breve período de adesão ao pensamento liberal, inclinou-se decididamente para a direita e acabou se tornando um dos principais partidários do fascismo argentino, especialmente a partir de 1924, data em que ele proclamou que “a hora da espada” havia chegado. Seis anos depois, já consolidado como um dos líderes pensantes do movimento reacionário sulista, colaborou ativamente com o golpe militar do general José Félix Uriburu (6 de setembro de 1930).

O Jornal Nota separou os 8 melhores poemas do poeta. Confira:

O DOURADOR

         Tradução Heitor P. Froes

Se tu soubeste amar, e, tendo um pouco
De doido e de poeta, descobriste
A razão porque AMOR faz ficar louco
E o porquê da nobreza de ser triste;

Se da Esposa soubeste a lealdade }
Conquistar e manter, qual viva tocha;
Se compreendeste a augusta soledade
Da rosa que só tarde desabrocha;

Se pudeste fitar, pela manhã,
A borboleta azul que turba o sizo…
E de tarde provaste da maçã,
Sem medo de perder o paraíso;

Se, nesse anhelo ardente de vitória
Que teus sonhos embala a vida inteira,
Já tens sentido bafejar-te a Glória
Como a brisa que agita uma bandeira;

Se o teu pão alimenta de verdade
E o sal de teu espírito irradia;
E assim reúnes, com simplicidade,
Nobreza d’alma e compleição sadia;

Se não te falta o vinho que cintila
Como o rubi da generosidade,
Nem a linfa divina que distila
A quintessência da serenidade;

Se, ao consultares tua bolsa escassa,
A falta de moedas não te enleia;
E se na inconsistência da fumaça
A aranha de teu sonho faz a teia;

Se, em cumprimento à lei de tua sina,
Assim que o frio abranda seus rigores,
Floresces — como planta peregrina —
Pouco importando a ti quem colha as flores;

Se consegues ser forte na desgraça }
E na ventura sabes ter prudência, }
Do teu valor nunca fazendo praça
Nem forçando ninguém à obediência;

Se, ao sentir do infortúnio a aguda farpa,
De tua dor ser digno tu procuras…
Como uma águia que empresta a cada escarpa
A nobre majestade das alturas;

Se és generoso, para os sofredores
Trazendo sempre aberto o coração;
E, mesmo ante a vileza dos traidores,
Tens nos lábios a graça do perdão;

Se tu procuras merecer a vida
Amando-a até na própria desventura
— Como o mar ama a pérola escondida,
Que se gerou na angústia e na amargura;

Se, rumo à perfeição, não fazes caso
De possíveis derrotas ou fracassos. . .
Tal como o artista que decora um vaso
Sem temer que se parta em mil pedaços;

Se se aproxima da sabedoria
O teu juízo — lúcido e seguro,
Como a sombra que, ao vir o meio-dia,
Aos poucos se aconchega ao pé do muro;

Se, para minorar a angústia alheia,
Tu sabes encontrar o esquecimento,
E a memória dos fatos não te enleia
Quer na ventura, quer no sofrimento;

Se existe em ti força bastante para
Chorares com nobreza e dignidade;
Se consegues impor à turba ignara
A tua firme personalidade;

Se teu critério, esclarecidamente,
Sabe considerar no mesmo nível
A convicção profunda do demente
E do imbecil a ingenuidade incrível;

Se aos que te contradizem contradizes,
Nunca perdendo o senso e a bonomia. . .
E a mostarda lhes chegas aos narizes,
Porém sem te excederes na ironia;

Se teu viver deflui serenamente
— Quer sobre a penha rude ou o leito brando —
Na progressão constante da corrente,
Variável . . . mas sempre deslizando;

Se a consciência, que o receio acalma
Ante as manobras torpes do Inimigo,
Na sublime pureza de tua alma
Revela-te que DEUS está contigo;

Se no equilíbrio estável de teu ser
Nem um desejo insano o corpo invade;
Se o próprio céu reflete o teu viver. . .
Não busques mais: Tens a felicidade!

Assim forma o Destino o teu tesouro —
Vezes fulgindo, muita vez sem brilho;
A espaços caem novas folhas de ouro. . .
Mas o bom dourador és tu, meu Filho!

Tal como o incenso que, ao calor das brasas,
Exala o seu perfume capitoso,
Na chama da existência queima as asas
Se queres conhecer da vida o gozo;

A provação é força construtiva,
Caminho para a Glória que nos tenta;
Dela emana o calor da brasa viva
Que as brasas apagadas alimenta. . .

E como é grato ver chegando o inverno,
Sem perda do vigor, ou da coragem,
Na pureza sem par do azul eterno,
No silêncio doirado da folhagem!. . .

Evocarás, então, todo enlevado,
As dores e as venturas que tiveste. . .
 Na solidão do ninho abandonado,
No mistério da calma do cipreste.

Feliz por teres sido probo e louco,
Prossegue nos teus sonhos delirantes. . .
E guarda o sol contigo mais um pouco,
 Para doirar-te os últimos instantes!

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A ESTRELA DA DOR

Na solidão tenebrosa
Como uma ribeira do nada,
A funda tristeza da estrela bela
Que cruza com o meu o seu olhar
É o mal de saber que estás em outra parte,
Em uma pureza vizinha da morte,
E o distante que estou para querer-te,
E o ínfimo que sou para alcançar-te.

O astro agrava no céu severo
A noturna desolação
Que passa por meu coração
Como uma água dissimulada por um furo.
Pequeno, frio e distante
Sol da meia-noite,
Tua tristeza é a dolorosa reprimenda
Dos mundos eternos ao despótico arcano.
Olhando-me detidamente
Com seu lúgubre esplendor,
Me revelas que a dor
É a memória do infinito.

Ah, por isto tens tanto dela,
Melancólica estrela.
Por isto, sem sombra nem ruído,
brilha em seu amor a luz fatal
Da mesma pena imortal,
Da nobre dor que nega o esquecimento.

O martim-pescador

Sobre o remanso azul, agudo espreita
De um lânguido galho de salgueiro,
Na iminência de uma flecha estreita,
A lentidão profunda do aguaceiro.

Ouro de sol pela corrente boia…
E faiscando seu rubro cachecol,
Identifica ao pássaro em sua joia,
Verde salgueiro, a água azul, ouro de sol…

A branca solidão

Sob a calma do sono,
Calma lunar de luminosa seda,
A noite,
Como se fosse
O corpo branco do silêncio,
Docemente na imensidão se deita.
E desnastra
A cabeleira
Em prodigiosa folhagem
De alamedas.

Nada vive, menos o olho
De relógio na torre tétrica,
Aprofundando inutilmente o infinito
Como um orifício aberto na areia.
O infinito,
Rodado pelas rodas
Dos relógios,
Como um carro que nunca chega.

A Lua cava um branco abismo
De quietude, em cujo côncavo
As coisas são cadáveres
E as sombras vivem como ideias.
E a gente pasma de tão próxima
Que naquela brancura se acha a morte.

De tão bonito que é o mundo
Possuído pela antiguidade da lua cheia,
E a ânsia tristíssima de ser amado
No coração doloroso estremece.

* Tradução de Aurélio Buarque de Holanda


A última careta

A miséria ri. Com sórdida costeleta
seu cão de guarda lhe regala um festim.
Em suas funambulescas calças vai um poeta,
e em seu casaco o órfão que tem por Delfim.

A fome é seu pandeiro, a lua sua moeda
e o tango vagabundo seu pai-nosso. Crina
de leão, sua coroa. Sua inutilizada escopeta
de mercenário impávido sua uma fugosa fuligem.

Vai em dominó de farrapos, zumbe sua copla irônica,
por véu lhe empresta seu lenço a Verônica.
Seu corpo, de tão chagado, parece um horto em flor.

E sob a ignomínia de tão sinistra máscara
Cristo ensina à noite sua formidável máscara
de cabelos terríveis, de sangue e pavor.

* Tradução de Floriano Martins

Metempsicose

Tradução de Luiz António de Figueiredo

Era um país de seiva e de amargura,

um país com altíssimos abetos,

com abetos altíssimos, nas ramas

lançava queixas o tremor do vento.

Quem sabe fosse a terra cimeriana

onde estacava a bocarra do Inferno,

a Ilha que no grau oitenta e sete

de latitude austral, marca o limite

da liquidez marinha; sobre as águas

se levantava um promontório negro,

como o pescoço de um cavalo lúgubre,

de um potro colossal, que fora morto

em seu último porte de combate,

narina inchada fumegando ao vento.

O orto .formidável de uma noite

com intenso borrão manchava o céu,

e sobre o/undo de carvão boiava

o alto perfil do penhascal escuro.

Uma lua ruinosa se perdia

com sua cara amarela de esqueleto

em distâncias de sonho e de problema;

e havia um mar, mas era um mar eterno,

dormido num silêncio sufocante

como .fantástico animal en/ermo.

Sobre o gume mais alto do rochedo,

ladrando ao .fosco mar, estava um cão.

Caninos cintilantes no negrume,

mas não seus olhos, o cão era cego.

A boca aberta relumbrava, rubra

qual ventre flamejante de um braseiro;

como a grande bandeira de vingança

aureolando as iras de meus sonhos ;

qual ferro de um machado de verdugo

embebido no sangue das gargantas.

E no fundo dá goela uivava a fome,

como fúnebre som ecoando em oco

melancólicos sinos de Novembro.

Vi que minh’alma com seus braços hirtos

e defronte uma luz hipnotizada

se alçava rumo à boca do cachorro,

e vi que em suas mãos e pés sangravam,

como rosas de luz, quatro agulheiros;

e na boca esfomeada se perdia,

e que o monstro sentiu nos olhos secos

duas chamas se acender em, como lívidos

incêndios de álcool sobrevoando os medos.

Então eu compreendi (Santa Miséria?)

o misterioso amor dos pequeninos;

e odiei a seda dos tecidos nobres,

e as descendências com raiz de ferro;

e vi em teu lodo germinarem lírios,

e colei a amargura de meus beijos

em bocas purpurinas, que eram chagas;

e nas prostituições de tua cama

vi esparzidas sementes de açucena,

e soube aborrecer como os escravos;

e meus olhos miraram na penumbra

uma cruz nova, com seus cravos novos,

que era uma cruz sem vítima, elevada

por sobre o oriente enorme de um incêndio,

aquela cruz sem vítima ofertada

como um leito nupcial. E eu era um cão!

ENIGMA DO ERRANTE BARDO

Farto de andar em penas
Osolón de Ploguel,
abandonou sua torra,
seu atril e seu arrabil,

mudou de terra e nome,
e à força de bom fidalgo,
deu-se a correr os reinos
do persa e do mongol,
sob o nobre anagrama
de Ugopoleón del Sol.

Um dia entre os dias
retornou aos pátrios lares,
farto de façanhas novas
e de novos cantares.

Nada havia mudado;
mas, com memória infiel,
já ninguém se lembrava
de Osolón de Ploguel.

Do outro que era ele mesmo
muito menos se sabia,
se diz que na torre mora
Dama Melancolia.

Para conhecê-la sobe
pela escada usada,
e no salão de outrora
vê uma jovem delgada,

que com a mão posta
sobre o facistol
folheava o romanceiro
de Ugopoleón del Sol.

O NINHO AUSENTE

Só restou no ramo
um pouco de palha murcha,
e no arvoredo a angústia
de um pássaro fiel que chama.

Céu acima e trilha abaixo,
não acha trégua sua dor,
e vai parando em cada galho
perguntando por seu amor.

Já tem bem alto seu voo
e pia pelo caminho,
onde deixa no espinho
sua branda lã a ovelha.

Pobre pássaro afligido
que só sabe cantar,
e cantando chora o ninho
que jamais encontrará.

               

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/argentina/leopoldo_lugones.html

http://culturafm.cmais.com.br/radiometropolis/lavra/leopoldo-lugones-o-martim-pescador

https://hotblog7faces.blogspot.com/2018/10/dois-poemas-de-leopoldo-lugones.html
https://www.biografiasyvidas.com/biografia/l/lugones.htm

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