Em “Areia não é sujeira”, temas relativos ao ordinário e às memórias ganham contornos de reflexão e denúncia da condição de vida das mulheres
Livro de estreia da assistente social brasiliense Pâmela Rodrigues (@escritorapamelarodrigues), “Areia não é sujeira” (128 pág.) aborda temas como cotidiano, identidade, pertencimento e memória corporificando solo, areia e cinzas como partes de uma mulher. Publicada pela Editora Patuá (@editorapatua), a obra conta com a orelha assinada pela escritora e resenhista Thaís Campolina e prefácio da professora, pesquisadora, doutoranda em Literatura e também escritora Juliana Goldfarb.
Memórias, silêncios, vivências e questões de saúde mental se mesclam ao cotidiano na construção de “Areia não é sujeira”. A autora diz ter se interessado por esses temas por considerá-los elementos formadores da persona que ela é e representa no mundo.
“São as dores e alegrias que conheço mais intimamente. O que me torna um ser político e coletivo. Não são somente as minhas dores, mas falo a partir delas para contar de quem as vive junto comigo”, afirma.
Essa ligação entre temas tão subjetivos e reflexivos feita a partir do ordinário é o que torna possível a apresentação da intimidade e dos contornos do corpo, desse eu-lírico feminino enquanto identidade e casa, sem jamais esquecer do mundo em que esse corpo circula e essa casa foi construída.
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“Na poesia de Pâmela Rodrigues, corpo, casa e continente são matérias de um mesmo lugar; por vezes se misturam, se confundem, tornam-se um imbrincado desse corpo maior, que é o corpus poético”, argumenta Juliana Goldfarb no prefácio que assina.
Para ela, essa fusão se faz a partir dessa aproximação com o cotidiano e também pela preferência por uma linguagem coloquial e a escolha consciente da não utilização de expressões ditas cultas ou elitizadas: “A voz que rege a poesia de Pâmela Rodrigues toca o simples, olha para o chão e reconhece o solo pela textura em seus pés descalços.” A consciência dessa escolha também é ressaltada por Thaís, na orelha, quando ela diz que a autora busca redefinir as noções de grandezas e importâncias levando para a sua poesia as miudezas que nos formam. Sendo a palavra, uma delas. E as histórias das avós, também.
“sempre me deixo queimar
pelos incêndios alheios
sou cerrado em mês de setembro
altamente inflamável
esperando que alguém acenda o seu cigarro
e o esqueça
me desfazendo em labaredas
coloridas
e por fim
cinzas”
Poema de “Areia não é sujeira” (página 112)
Entre a secura do Distrito Federal e o mar de sonhos e desejos das mulheres
“Escrevo em primeira pessoa, pois, a palavra é o único lugar em que é possível existir”, diz um trecho do poema que abre o livro “Areia não é sujeira”, de Pâmela Rodrigues. Nascida em em 1990, na periferia do Distrito Federal, a poeta é formada pela Universidade de Brasília (UnB) em Serviço Social, atuando profissionalmente como assistente social.
Os elementos autoficcionais explorados por Pâmela partem também de sua origem: a secura, tão presente no Distrito Federal, se faz presente na obra e ajuda a criar novas camadas a essa poética que alterna solo, areia e sequidão com água, mar e desejo, como expõe Juliana Goldfarb nesse trecho do prefácio:
“Se na primeira parte do livro o mar existe enquanto sonho/desejo, na segunda parte, ele é personificado no eu-lírico, e o movimento do corpo, bem como das ondas, dá o tom erótico aos poemas que aqui se encontram.”