“E quando borboletas carnívoras dançam no estômago”: intimidade vira poesia com Ingrid Carrafa

“E quando borboletas carnívoras dançam no estômago” é o nome do mais novo livro de poesia de Ingrid Carrafa. No livro, histórias íntimas marcam os poemas que fazem parte do terceiro livro publicado pela autora, dessa vez pela Editora Maré

“E quando borboletas carnívoras dançam no estômago” descreve a crueza do cotidiano. Atravessada por bêbados, prostitutas, mães, tias, amores e lágrimas, a escritora Ingrid Carrafa traz em sua obra um retrato da condição feminina em diferentes realidades.

“O livro é um apanhado de sentimentos. É a caixa de Pandora aberta, exposta, escancarada para o mundo. Quando Pandora abriu a caixa, borboletas carnívoras saíram dançando”, conta a escritora.

Passando por temas como solidão, sexo, família, amor, morte e vida, os poemas contam histórias íntimas, mas que podem estar presente na vida de qualquer pessoa.

A capa do livro foi criada pelo artista Caio Cruz e prefácio é de Bernadette Lyra. O livro foi publicado pela editora Maré e teve apoio do Funcultura, por meio da Secretaria da Cultura do Estado (Secult-ES).

Leia também: “VERSA… Bardos em Linhas”: coletânea censurada de 19 poetas revela poesias “sem medidas”

Confira 3 poemas aqui:

I.

Luana é uma alcoólatra agora.

E seu rosto tem aquela expressão dura de pessoas que flertam com cocaína e solidão.

E eu fico triste porque ela é tão linda e tão doce.

Agora ela deve estar escutando Maysa, sozinha em casa buscando a “magia” e o amor que tanto almeja através da garrafa de martini.

Luana diz que Deus é o homem que morde sua nuca numa noite de sorte.

Luana chora abraçada à garrafa.

Ela sabe

que

“Primeiro, o amor

depois, o desencanto

e o resto de nossas vidas”

Ela sabe que o amor é o lembrete da beleza que frequentemente acompanha a destruição

Ela foi empurrada até a beira da solidão e caiu

quando escalou de volta percebeu que o seu mundo nunca mais seria o mesmo

II.

Minha mãe era viciada em documentários históricos.

Toda noite, sentada na poltrona velha, matava várias cervejas e escondia suas dores em conhecimento perdido.

A única coisa que meu pai deixou pra ela foi um plano de TV por assinatura, durante um ano.

Filho da puta, minha mãe repetiu por toda a minha adolescência.

Ela nunca mais pronunciou o nome dele.

E ele ficou sendo filho da puta pra sempre.

Ela acreditava em vingança.

Não era de perdoar nem o pum quando escapava sem querer.

Passava a maior parte do seu dia pensando no que faria com ele,

Caso ele voltasse.

Eu a via cortar o tomate e sabia que era o coração dele que estava sendo fatiado.

Quando socava um bife

Ou deixava quebrar um copo,

era nele que ela pensava.

Tornei-me uma pessoa dura e de pouca fala.

Mamãe morreu abraçada à blusa de papai comida pelas traças

E eu nasci toda amor

Para virar desamor por sobrevivência

III.

Encontrei Aline sozinha no bar em que eu frequentemente me mato.

Ela tem aquela expressão dura de pessoas que flertam com vazios.

Sentei

Pedi um drink e acendi um cigarro

Ela já está bêbada e arrasta uma conversa meio que em tom confidencial

Aline está chorando

Ela me diz:

— Ei, tem uma pequena diferença entre você e eu e o resto.

Pergunto qual é. Ela diz:

— Nós estamos sozinhos no mundo e caímos num abismo.

Somos ilha agora.

Ela percebe o copo vazio e procura o garçom

Quando ele chega, percebo que não existe porra de diferença alguma.

O cara também caiu no abismo e enquanto enche o copo com o olhar perdido

vai se esvaindo mais

Gargalho e Aline me pergunta o motivo da graça.

— Fodidos, Aline, estamos todos fodidos.

O garçom, eu, você, o taxista que te leva bêbada para casa, a merda daquele urologista que enfiou a mão no meu rabo para não encontrar nada.

Vivemos uma grande orgia e gozar ou não já não faz tanta diferença

Depois de certa idade a sinceridade deixa de parecer obscena.

E você fica sendo de buracos. Sobrevivendo em buracos.

Deixo Aline quando Joni Mitchell começa a cantar.

Ela vomita a melodia, os acordes, as valsas e os tambores de amor.

Era pura bile de amor.

Volto e afasto o cabelo do seu rosto enquanto ela continua vomitando.

Um sorriso nasce cansado e ela sussurra:

— Vamos para o deserto. Meu pai mora sozinho no deserto. Diz que não se adapta às pessoas.

“As pessoas aqui

se tornaram

as pessoas

que estão fingindo ser”

Contato:

E-mail: ingrid_carrafa@hotmail.com

Instagram: @borboletas.carnivoras

Facebook: Ingrid Carrafa

Sobre a autora:

Ingrid Carrafa é escritora, atriz e atualmente se dedica à poesia.

Ela já publicou três livros de poesia: “Entre rosas e abismos”, em 2015, pela editora Penalux; “Não joguem pedras na Geni”, em 2016, pela editora Independente; e o mais recente “E quando borboletas carnívoras dançam no estômago”, em 2021, pela editora Maré.

Ingrid também explora o autorretrato para expressar a sua poesia. Seu trabalho pode ser acompanhado de suas redes sociais.

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“Doze Dias”, de Tiago Feijó: livro conta história entre pai e filho em uma catarse familiar - NotaTerapia 1 de fevereiro de 2023 - 00:19
[…] Poesia […]
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