Boris Pasternak foi um romancista e poeta russo. Seu livro mais conhecido é Doutor Jivago, imortalizado no cinema. No entanto, na Rússia, ele é mais conhecido pela sua poesia, conhecidas com os melhores poemas da produção de Boris Pasternak. Ele nasceu em 10 de Fevereiro de 1890 e tornou-se aos 68 anos, em 1958, o segundo escritor da Rússia a ser agraciado com o Prémio Nobel da Literatura, embora não tenha sido autorizado a receber o prêmio.
A sua obra consiste num grande número de ensaios académicos, cujo volume ultrapassa em número o de livros do escritor. A vida de Pasternak foi plena de eventos, encontros, reviravoltas inesperadas do destino; as suas obras tornaram-se pontos de referência não só na biografia do autor e na literatura russa, mas também na história da Rússia do século XX.
Durante a Primeira Guerra Mundial ele ensina e trabalha em uma usina química dos Urais, o que lhe deu matéria para a sua famosa saga Doutor Jivago anos mais tarde. Pasternak caiu em desgraça com as autoridades soviéticas durante os anos 1930; acusado de subjetivismo, ele conseguiu, no entanto, não ser enviado a um Gulag.
O NotaTerapia separou os 10 melhores poemas de Boris Pasternak. Confira:
Hamlet
O murmúrio cessou. Subo ao tablado.
Apoiado ao umbral da porta,
Procuro distinguir no eco apagado
Os desígnios da minha sorte.
A penumbra da noite me devassa
Por trás de mil binóculos iguais.
Se for possível, Abba, meu pai,
Afasta de mim essa taça.
Amo a Tua obstinada trama
E aceito o papel que me foi dado.
Mas agora representam outro drama.
Ao menos dessa vez, deixa-me de lado.
Mas a ordem das cenas foi prevista
E a estrada chega fatalmente ao fim.
Estou só. Tudo afunda em farisaísmo.
Viver não é passear por um jardim.
Contra a fama
Ser famoso não é bonito.
Não nos torna mais criativos.
São dispensáveis os arquivos.
Um manuscrito é só um escrito.
O fim da arte é doar somente.
Não são os louros nem as loas.
Constrange a nós, pobres pessoas,
Estar na boca de toda a gente.
Cumpre viver sem impostura.
Viver até os últimos passos.
Aprender a amar os espaços
E a ouvir o som da voz futura.
Convém deixar brancos à beira
Não do papel, mas do destino,
E nesses vãos deixar inscritos
Capítulos da vida inteira.
Apagar-se no anonimato,
Ocultando nossa passagem
Pela vida, como à paisagem
Oculta a nuvem com recato.
Alguns seguirão, passo a passo,
As pegadas do teu passar,
Porém não deves separar
Teu sucesso de teu fracasso.
Não deves renunciar a um mín-
imo pedaço do teu ser,
Só estar vivo e permanecer
Vivo, e viver até o fim.
Definição de poesia
Um risco maduro de assobio.
O trincar do gelo comprimido.
A noite, a folha sob o granizo.
Rouxinóis num dueto-desafio.
Um doce ervilhal abandonado.
A dor do universo numa fava.
Fígaro: das estantes e flautas –
Geada no canteiro, tombado.
Tudo o que para a noite releva
Nas funduras da casa de banho,
Trazer para o jardim uma estrela
Nas palmas úmidas, tiritando.
Mormaço: como pranchas na água,
Mais raso. Céu de bétulas, turvo.
Se dirá que as estrelas gargalham,
E no entanto o universo está surdo.
1917
Veja também: 8 nomes da poesia russa soviética: A geração que esbanjou seus poetas
A morte do poeta
Não queríamos crer – delírio!
Mas dois, três, todos, incessantes,
O repetiam. Ajustados no trilho
Do instante, estacavam os domicílios
De burocratas e comerciantes.
Áreas e árvores, e no alto sobre os galhos
Corvos no fumo do sol fogo
Ralhavam como esposas-gralhas:
Que não metessem o nariz no pecado
As tolas! Todas ao diabo!
Mas nos rostos, um úmido descomposto
Como nas pregas de uma rede rota.
Um dia inócuo, inócuo, mais inócuo
Que uma dezena de teus dias passados.
No vestíbulo, a turba se coloca
Em fila, premida por um disparo.
Como um jorro de lúcios e de bremas
Achatados, cuspidos das maremas
Pelo estouro de um petardo entre caniços,
Como um suspiro de tiros não-fictícios.
O leito armado sobre a maledicência,
Você dormia, agora plácido, em paz.
Vinte e dois anos, belo, e a pré-ciência
De tudo isto em teu poema quadriparte*.
Você dormia, rosto preso ao travesseiro,
Dormia, a plenas pernas, a plenos tornozelos,
Penetrando de novo, de um só golpe,
No fábulário das legendas jovens.
E penetrando da maneira mais direta
Porque nele você entrava de um salto.
Teu disparo parecia um Etna
Sobre encostas de covardes e de fracos.
1930
A Noite de Inverno
Nevou, nevou por toda a Terra,
Por todos os recantos.
Uma vela ardia sobre a mesa,
Uma vela ardia.
Como no Verão o mosquedo
Sobrevoa a chama,
Voavam flocos lá de fora
Para o caixilho da janela.
O nevão moldava no vidro
Arcos e flechas.
Uma vela ardia sobre a mesa,
Uma vela ardia.
No tecto alumiado
Deitavam-se as sombras
Da encruzilhada de braços, de pernas,
De destino encruzilhado.
E caíram dois sapatinhos
Ao chão, com um baque,
E, da lamparina, a cera em lágrimas
Gotejava no vestido.
E tudo se perdeu na bruma de neve
Cinzenta e branca.
Uma vela ardia sobre a mesa,
Uma vela ardia.
Algo soprou do canto para a vela,
E o fervor da tentação
Ergueu, como um anjo, duas asas
Em forma de cruz.
Nevou todo o mês, em Fevereiro,
E, incessantemente,
Uma vela ardia sobre a mesa,
Uma vela ardia.
Tradução de Inês Gonçalves
Poesia
Minha irmã vida hoje se de desborda,
Desfaz-se contra todos como chuva,
Ó gente de berloques que rabuja
E ferroa polida feito cobra!
Os bem-postos terão razões aos centos,
Mas de tuas razões quem não rirá ?
Olhos e relvas roxas na tormenta
E o horizonte odora a resedá.
Quando em maio, você, estrada afora,
Lê horários de trem, — ramais floridos,
Mais grandeza que nos Livros de horas
Há nisto, e os olhos quedos, absorvidos.
Quando apenas o ocaso reverbera
Sitiantes à beira-ferrovia,
Percebi que a estação não era esta
E o sol-posto de mim se condoía.
Três salpicos de sino: o trem se afasta.
— Não é aqui! se desculpa, aos rechaços
No vagão, odor de noite queimada
Dos degraus a estepe cai para os astros.
Piscapiscando, a amada, olhos mortiços,
Fata-morgana sonhava lá fora.
O coração borrifa os passadiços
E expulsa para a estepe as portinholas.
1917
Tradução de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman.
OS CAMPONESES E OS OPERÁRIOS DAS FÁBRICAS
Desde o mês de Março
As rajadas de neve
Cobrem as cores do mapa.
Colocando o seu capuz
Como uma marmota (1)
A neve repousa: sobre os ramos,
Os fios telegráficos,
As ramificações dos partidos,
As insígnias dos soldados de cavalaria
E as travessas dos caminhos de ferro.
A planície não alegra o coração
Mesmo que o espaço solte as suas rédeas,
Mil verstas em redor.
Como um cheiro de álcool,
Com seu hálito de uma bestialidade velhaca.
Desvaira-nos
Na frialdade
Dos cem graus da miséria.
E eis que
Em casa dos Senhores
Rebentam as bombas de incêndio.
Um oceano de bombeiros
Comanda as chamas colossais.
E as paixões arrasam
E os esquadrões manobram
E tudo isto grita:
“De pé,
Ergue-te
Povo trabalhador!”
Fuga Fuga
Os trenós sulcam
A vegetação selvagem.
Em trajes menores
Foge-se dos quartos de dormir.
Destroços
Sinistrados
Ao longo da estrada.
No pinheiral
A lua gelada influi nos destinos.
E erguido nos seus esporões
Faz esgares
O galo vermelho.
Pendendo sobre os trenós
os pínheiros respiram
Fumegam e lamentam-se.
Além as luzes.
Ao fundo a aldeia.
Mais adiante o teto hospitaleiro do comissário.
Ainda há comboios:
Só se fala na greve.
Ela arrasta-se em dificuldades
Pelo empedrados das cidades.
O verão.
Maio ou junho.
Sobre o Lodz um Vesúvio de locomotivas.
Presos mergulham no ar,
O sangue das veias coalha.
Para lá da encruzilhada dos rails
Morre-se.
Um apelo trovejante:
E os orifícios
Dos cartuchos queimados —
Tudo começa como de costume.
Um encontro com a tropa,
Nos arrabaldes,
Produz o choque:
Houve vítimas dos dois lados.
Mas os trabalhadores inflamaram-se
E o seu desejo de vingança transbordou
Quando a multidão mais uma vez foi espancada
No dia dos funerais.
Foi nessa altura
Que as vidraças se partiram
E que a cidade
Obstinada
Nua
Sem virtude
E mais empedernida do que nunca
Surgiu sem vergonha —
Assim como as estátuas
Quando perdem a paisagem
Adquirem beleza —
A cidade tornou-se a escultura do trabalho.
De dia os escritórios fecharam
E às cinco horas o tráfego cessou.
Através do Lods sem vida
Espalhou-se
O petróleo
Do sol poente.
A cólera dos trabalhadores
Tomas as patrulhas por alvo.
A rede das barricadas
Envolve a cidade despovoada.
De noite a tropa apareceu.
Uma salva rasando a terra
À altura das balaustradas.
Foge-se para traz das barricadas.
Depois, abandonando-as, disparava-se dos telhados.
Por cada granada de artilharia
Tombava um dos serventes
E a cada avanço
Dos cavalos
Também o prestígio tombava.
Poema
Ah, se eu antes soubera desta sina,
Quando me preparava para a estreia,
Que há morte nestas linhas, – assassinas!
Como um golpe de sangue na traqueia.
Os folguedos desta busca de avessos
Eu deixaria, inúteis, de uma vez.
Já tão remoto o esforço do começo,
Tão temeroso o primeiro interesse.
Mas a velhice é Roma. Não lhe peça
Que venha com estórias de ninar.
Ela exige do ator mais que uma peça,
Uma entrega total, um naufragar.
Quando o verso é um ditado do mais íntimo,
Ele imola um escravo em cena aberta.
E aqui termina a arte, o pano fecha,
Ao respirar da terra e do destino.
(Folhetim, 09.05.82)
Sobre estes versos
Pelas calçadas trituro
Meio a meio, vidro e sol.
Abro no frio para o sótão,
Dou de ler aos cantos úmidos.
A água-furtada recita
À neve, por esquadrias.
Pula-pulando às cornijas
Penas, cenas, bizarrias.
Varre o fim, cobre o início,
Meses a fio, a nortada.
Me lembro que o sol existe!
E a luz, como está mudada!
Natal – pequenina pega,
E a tardinha dissoluta
Mostrou-me e à minha dileta
Quanta coisa que era oculta.
Cache-nez, rosto escondido,
Grito aos meninos lá fora:
Queridos (pelo postigo)
Que milênio soa agora?
Quem à porta rompe em rumo
Da furna, poeira só,
Enquanto eu com Byron fumo
E viro a taça com Poe?
Darial* me serve de abrigo –
De inferno, arsenal, paiol.
E embebo a vida no vinho.
Lábios. Tremor. Lermontov.
1917
Poema
Ah, se eu antes soubera desta sina
Ah, se eu antes soubera desta sina,
Quando me preparava para a estreia,
Que há morte nestas linhas, – assassinas!,
Como um golpe de sangue na traqueia.
Os folguedos desta busca de avessos
Eu deixaria, inúteis, de uma vez –
Já tão remoto o esforço do começo,
Tão temeroso o primeiro interesse.
Mas a velhice é Roma. Não lhe peça
Que venha com estórias de ninar.
Ela exige do ator mais que uma peça,
Uma entrega total, um naufragar.
Quando o verso é um ditado do mais íntimo,
Ele imola um escravo em cena aberta.
E aqui termina a arte, o pano fecha,
Ao respirar da terra e do destino.
Fonte: https://www.uc.pt/fluc/depllc/CER/centro_de_estudos_russos/cerartigos/cerartigo20
http://www.antoniomiranda.com.br/poesiamundialportugues/boris_pasternak.html
https://blogdocastorp.blogspot.com/2020/01/boris-pasternak-poema.html
https://www.revistaprosaversoearte.com/boris-pasternak-poemas/