Os 10 melhores poemas de Ilícito, de Eliane Reis

ILÍCITO, o segundo livro de Eliane Reis, é um livro para aqueles que não se contentam com respostas estigmatizadas, respostas que abortam sonhos, desejos, agonias, eus… Assim, que sejamos salvos em nome da poesia ao desconstruir as regras! “É ilícito viver preso a conceitos e não ter direito ao grito, ao surto, ao desespero. É ilícito deixar de caber em si, para caber em moldes que inventaram.

O NotaTerapia separou os melhores poemas do livro. Confira:

DENTRO DO SILÊNCIO
Na orla do desespero e da noite,
É quase que insuportável
Ouvir a loucura que grita
Bem dentro do silêncio.
Ali, naquele universo vasto
Nada há! Nada faz mais barulho
Que o próprio silêncio que grita,
Que desvirtua o coração do poema.
Dentro do silêncio, vive um mundo
Quase vazio de outros silêncios,
Ali, o grito é um eco sem justifi cativa
Um vazio dentro de um outro vazio.
No silêncio desta madrugada,
Quase morta, quase muda, quase…
Nenhum fantasma me assusta,
Nada é mais sinistro do que o silêncio

O GRITO DOS INOCENTES
Logo ali, onde o sol nasce cinza,
Moram joanas, marias, meninas…
Logo ali, onde o sol quase não brilha
Choram anas, helenas, mulheres…
Logo ali, onde não há mais cor
Morrem as descendentes de Eva.
Quando dentro delas
O mundo todo está ao avesso
Surge, do inóspito corpo
A necessidade ao grito
O pulso que sangra
por entre as pernas,
Por entre os sonhos,
por entre os ventres.
Há de se dar a elas o direito ao grito,
O direito ao surto, o direito à vida.
Elas que trazem no sexo o peso,
O ardor do descaso, o caso da fl or.
Logo ali, onde a vida não vale muito,
Enterram-se Marias.

ACENDE A LUZ?
Enquanto os dedos cansados
Repousam sobre o teclado,
A lua indecente invade este cubículo
Iluminado apenas por ela.
Sob a mesinha de cedro,
Descansa um conhaque
E um cigarro quase no fi m,
Ali também jaz um livro de Quintana.
Entre o aqui e o não sei onde
Divago por entre as linhas,
Confusa e amedrontada,
Busco minha identidade perdida.
Inquieta, invoco meus sentimentos,
À procura de outro silêncio.
Tateio a mesinha em busca do copo
Outro gole de conhaque. O cigarro apagou.
Olho para janela entreaberta,
Uma brisa também se atreve a entrar.
Acendo outro cigarro e a lua se insinua.
Os dedos em nervos imploram sossego.
Entre um trago e um gole,
Refaço meu cansaço, meu castigo,
Essa ânsia de dizer o que não deve ser dito
O breu quase me consome, não fosse a lua atrevida.
ELIANE REIS 25
Descanso as mãos sobre a poltrona
O copo, agora, está também vazio.
As nuvens, por despeito, levaram a lua,
A saleta quase fúnebre, respira escuridão.
Acendo outro cigarro, a lua ausente,
Derrubo o copo, vidro para todos os lados,
Dedos cortados, versos sangrando.
Acende a luz, por favor?

ATREVIMENTO
Você me despia com os olhos,
E sua densa coragem arquitetônica
Ofuscava meu medo disfarçado.
Enquanto eu me vestia envergonhada
E voltava para meu submundo ficcional,
Você me devorava e ria da minha timidez.
Não lhe dei essa liberdade:
invadir meu desejo enclausurado.

POR CAUSA DO POETA
Quase meia-noite…
A luz frouxa, quase extinta,
Traz à tona velhos fantasmas e
Rumores suplicantes e abafados.
Olho para o criado-mudo resignado,
Sobre ele Poe adormece
Eis, no entanto, à minha janela
Um vulto negro como o da poesia.
O silêncio, agora, grita lá fora
Como sempre gritou aqui dentro
Viro-me na cama e retomo um livro
Deixo o corvo imóvel sobre a peça de marfi m
Nunca mais! Eu ouso reiterar.
Por causa do poeta, eu aprendi
(Embora o ruído ainda me assuste)
Eu aprendi a sonhar.
E um pouco antes da meia-noite,
Deixo-me acordar para o sonho.

DESEJO DE LUA
Enquanto o Sol, preguiçoso, despertava;
Ela, toda feita de noite, adormecia.
Sua pele, seus encantos, sua tez…
Os ombros espalhados pelo céu imaginário,
Deitados sobre o cetim do dia
Foram a perdição do Sol.
Ele, todo feito de dia, acordava,
Seus raios, seu calor, seu desejo…
Os olhos em busca da pupila lunar
Alcançavam o horizonte em vão.
A Lua, sem saber, era sua maior loucura.
Esse desejo insano e lendário do Sol pela Lua
Ficou perdido em um espaço surreal e distante.
Às vezes, por piedade, os deuses permitem
Que um eclipse conforte o amante infortunado,
Que encontra sua inspiração entre um tempo e outro.
FICA
Poetas para que mesmo?
Se a poesia dança em lençóis desenhados,
Num quarto onde corpos famintos se alimentam.
Poetas para que mesmo?
Se o verso posto não é a chama que reacende
Aquilo que, talvez, devesse fi car.
Poetas para que mesmo?
Se a estrofe sem rima é substituída
Por ais emancipados antes do tempo.
Poetas para que mesmo?
Se o verso dito em bom tom é subestimado
Por um verbo abafado em meio aos seus caracóis: Fica!
Poetas para que mesmo?
Se o tempo prescrito para a absolvição
Não é a pausa que marca o tempo dos amantes.
Poetas para que mesmo?
Se quando a lua se esconde, se esvai no infinito dela,
O sol versificado fica todo desalinhado.
Poetas para que mesmo?
Se a poesia transcende a própria respiração
Como se fosse um mantra repetindo baixinho: Fica!

AGORA?
Agora? Ah, agora tanto faz!
Não vou mais me importar,
Sua indiferença fi cou aqui
Depois que resolveu partir,
Depois que resolveu fazer as malas,
Depois que saiu sem mim,
Virando meu mundo do avesso.
Agora? Ah, não faço mais questão!
Seu cheiro não está mais na casa,
Na cama não há lembranças suas,
Na sala, só vivem retratos mudos.
Sua indiferença exorcizou todos os espectros.
Agora? Ah, pode ir!
No lugar das cicatrizes, farei uma tatuagem,
Que não lembre mais você, menos ainda sua burrice:
Você me tinha tão sua, tão devota,
Mas não foi capaz de cuidar desse amor.
Agora? Ah, agora eu vou viver!
Hoje eu sei o valor do meu amor,
Tanto que ele me salvou de mim e de você

MOÇA
Em contraluz ela vinha,
Súbito o encanto me invadiu.
Ela parecia um anjo,
Em meio à confusão das luzes
E dos carros negligentes.
Seus olhos, seu riso, sua tez,
Tudo me levava ao céu;
Ao universo extravagante de mim,
Onde eu havia guardado o amor.
Os desejos extraviados moravam ali,
Na serenidade dos seus ais e seus risos,
Na profundidade de sua presença repentina.
Súbito o amor me sucumbiu.
A moça que vinha contraluz:
Eis a razão do meu desassossego.
Ela levou consigo minha paz, quando se foi…
Súbito a dor me invadiu.

Related posts

“Frozen”, arromanticidade e assexualidade: como Elsa se tornou um ícone da comunidade aro-ace

Com inauguração prevista para setembro, livraria em SP viraliza com banner divertido

Aos 14 anos, jovem cria sabonete que combate o câncer de pele e recebe o prêmio “Jovem Cientista da América”