Os 10 mais belos poemas sentimentais brasileiros do século XX

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Entre os anos 30 e 60, grandes poetas marcaram a poesia brasileira com belíssimos poemas sentimentais e líricos. A beleza destes textos é, até hoje, motivo de suspiros e emoções por parte dos leitores de poesias – e, de tão lindos, muitos viraram música, como “Motivo”, de Cecília Meireles, e “A rosa de Hiroshima”, de Vinicius de Moraes.

Falando sobre a vida, o amor, a morte e o tempo, estes poemas serão eternizados.

Confira abaixo os 10 poemas mais belos do século XX:

1- Motivo, de Cecília Meireles

cecília

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
– mais nada.

2- Soneto da fidelidade, de Vinicius de Moraes

vinicius

De tudo, ao meu amor serei atento antes
E com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

3- Soneto, de Mário de Andrade

Aceitarás o amor como eu o encaro ?…
…Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza… a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.

4- Poema patético, de Emílio Moura

Como a voz de um pequeno braço de mar perdido dentro de uma caverna,
Como um abafado soluço que irrompesse de súbito de um quarto fechado,
Ouço-te agora, a voz, ó meu desejo, e instintivamente recuo até as origens da minha angústia.
Policiada e vencida, oh! Afinal vencida por tantos séculos de resignação e humildade.
Em que hora remota, em que época já tão distanciada, foi que os ares
Vibraram pela última vez, diante de teu último grito de rebeldia?
Quantas vezes, oh meu desejo, tu me obrigaste a acender grandes fogueiras no meio da noite.
E esperar, cantando, pela madrugada?
Mas, e hoje? Hoje a tua voz ressoa dentro de mim, como um cantigo de órgão.
Como a voz de um pequeno braço de mar perdido dentro de uma caverna,
Como um abafado soluço que irrompesse, de súbito, de um quarto fechado.

5- Emergência, de Mario Quintana

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
– para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

6- Canção elegíaca, de Joaquim Cardozo

Quando os teus olhos fecharem
Para o esplendor deste mundo,
Num chão de cinza e fadigas
Hei de ficar de joelhos;
Quando os teus olhos fecharem
Hão de murchar as espigas,
Hão de cegar os espelhos.
Quando os teus olhos fecharem
E as tuas mãos repousarem
No peito frio e deserto,
Hão de morrer as cantigas;
Irá ficar desde e sempre
Entre ilusões inimigas,
Meu coração descoberto.
Ondas do mar – traiçoeiras –
A mim virão, de tão mansas,
Lamber os dedos da mão;
Serenas e comovidas
As águas regressarão
Ao seio das cordilheiras;
Quando os teus olhos fecharem
Hão de sofrer ternamente
Todas as coisas vencidas,
Profundas e prisioneiras;
Hão de cansar as distâncias,
Hão de fugir as bandeiras.Sopro da vida sem margens,
Fase de impulsos extremos,
O teu hálito irá indo,
Longe e além reproduzindo
Como um vento que passasse
Em paisagens que não vemos;
Nas paisagens dos pintores
Comovendo os girassóis
Perturbando os crisântemos.O teu ventre será terra
Erma, dormente e tranquila
De savana e de paul;
Tua nudez será fonte,
Cingida de aurora verde,
A cantar saudade pura
De abril, de sonho, de azul,
Fechados no anoitecer.

7- “Solilóquio sem fim e rio revolto”, de Jorge de Lima

Solilóquio sem fim e rio revolto –
mas em voz alta, e sempre os lábios duros
ruminando as palavras, e escutando
o que é consciência, lógica ou absurdo.A memória em vigília alcança o solto
perpassar de episódios, uns futuros
e outros passados, vagos, ondulando
num implacável estribilho surdo.E tudo num refrão atormentado:
memória, raciocínio, descalabro…
Há também a janela da amplidão;e depois da janela esse esperado
postigo, esse último portão que eu abro
para a fuga completa da razão.

8- Divisamos assim o adolescente, de Mário Faustino

Divisamos assim o adolescente,
A rir, desnudo, em praias impolutas.
Amado por um fauno sem presente
E sem passado, eternas prostitutas
Velam por seu sono. Assim, pendente
O rosto sobre um ombro, pelas grutas
Do tempo o contemplamos, refulgente
Segredo de uma concha sem volutas.
Infância e madureza o cortejavam,
Velhice vigilante o protegia.
E loucos e ladrões acalentavam
Seu sonho suave, até que um deus fendia
O céu, buscando arrebata-lo, enquanto
Durasse ainda aquele breve encanto.

9- Luiz Vaz de Camões, de Carlos Nejar

Não sou um tempo
ou uma cidade extinta.
Civilizei a língua
e foi resposta em cada verso.
E à fome, condenaram-me
os perversos e alguns
dos poderosos. Amei
a pátria injustamente
cega, como eu, num
dos olhos. E não pôde
ver-me enquanto vivo.
Regressarei a ela
com os ossos de meu sonho
precavido? E o idioma
não passa de um poema
salvo da espuma
e igual a mim, bebido
pelo sol de um país
que me desterra. E agora
me ergue no Convento
dos Jerônimos o túmulo,
que não morri.
Não morrerei, não
quero mais morrer.
Nem sou cativo ou mendigo
de uma pátria. Mas da língua
que me conhece e espera.
E a razão que não me dais,
eu crio. Jamais pensei
ser pai de santos filhos.

10- Grafito para Ipólita, de Murilo Mendes

1

A tarde consumada, Ipólita desponta.

Ipólita, a putain do fim da infância.
Nascera em Juiz de Fora, a família em Ferrara.

Seus passos feminantes fundam o timbre.
Marcha, parece, ao som do gramofone.

A cabeleira-púbis, perturbante.
Os dedos prolongados em estiletes.

Os lábios escandindo a marselhesa
Do sexo. Os dentes mordem a matéria.

O olho meduseu sacode o espaço.
O corpo transmitindo e recebendo

O desejo o chacal a praga o solferino.
Pudesse eu decifrar sua íntima praça!

Expulsa o sol-e-dó, a professora, o ícone
Só de vê-la passar, meu sangue inobre

Desata as rédeas ao cavalo interno.

2

Quando tarde a revejo, rio usado,
Já a morte lhe prepara a ferramenta.

Deixa o teatro, a matéria fecal.
Pudesse eu libertar seu corpo (Minha cruzada!)

Quem sabe, agora redescobre o viso
Da sua primeira estrela, esquartejada.

3

Por ela meus sentidos progrediram.
Por ela fui voyeur antes do tempo.

4

O dia emagreceu. Ipólita desponta.

[Os poemas foram retirados do livro Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século XX, organizado por Italo Moriconi, Ed. Objetiva, 2001]

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