O livro “A Cor do Invisível” teve sua 1ª edição em 1989.
“Quintana condiz com o espelhamento, não com o prisma que distorce e deforma criticamente o ponto de partida. Reverbera sua obsessão pela pureza, em deliciosa submissão à imagem original, da infância que pretende um dia ser grande para não desmentir a infância. Até a saudade em Quintana vira vaidade de ter sido.” (Prefácio de Fabrício Carpinejar, edição da Editora Globo de 2005)
Jardim Interior
Todos os jardins deviam ser fechados,
Com altos muros de um cinza muito pálido,
Onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim
Não é mesmo alguma ausência
nem o abandono…
O que mata um jardim
É esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente.
As coisas
O encanto
sobrenatural
que há
nas coisas da natureza!
No entanto, amiga,
se nelas algo te dá
encanto ou medo,
não me digas que seja feia
ou má,
é, acaso, singular…
E deixa-me dizer-te em segredo
um dos grandes segredos do mundo:
– Essas coisas que parece
não terem beleza
nenhuma
– é simplesmente porque
não houve nunca quem lhes desse ao menos
um segundo
olhar!
Bucólica
Na solidão da noite
uma vaca, uma abençoada
vaca
muge:
o seu mugido é um rio de veludo morno,
voz de mãe e de amante:
quente e cariciosa…
– à mesma voz que tu, antes de me abandonares,
Tinhas sempre comigo!
As bruxas de pano
As bruxas de pano
tão maternalmente embaladas
pelas menininhas pobres
são muito mais belas
do que as bonecas suntuosas como princesas
— orgulho das vitrinas…
Essas humildes bruxas de pano
com seus olhinhos de conta
suas bocas tão mal desenhadas a tinta
são muito mais belas porque mais amadas!
Inscrição para um portão de cemitério
Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce, – uma estrela
Quando se morre, – uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
Ponham-me a cruz no princípio…
E a luz da estrela no fim!
Quem ama inventa
Quem ama inventa as coisas a que ama…
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava…
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições…
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho…
Ó! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado… e ter vivido o sonho!
O silêncio
O mundo, às vezes, fica-me tão insignificativo
Como um filme que houvesse perdido de repente o som.
Vejo homens, mulheres: peixes abrindo e fechando a boca num aquário
Ou multidões: macacos pula-pulando nas arquibancadas dos estádios…
Mas o mais triste é essa tristeza toda colorida dos carnavais
Como a maquilagem das velhas prostitutas fazendo trottoir
Às vezes, eu penso que já fui um dia um rei, imóvel no seu palanque,
Obrigado a ficar olhando
Intermináveis desfiles, torneios, procissões, tudo isso…
Oh! Decididamente o meu reino não é deste mundo!
Nem do outro…
Eu escrevi um poema triste
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza…
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves…
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
O bailarino
Não sei dançar.
Minha maneira de dançar é o poema.
Guerra
Os aviões abatidos são cruzes caindo do Céu…
*Foto de capa retirada do site http://www.cultura.rs.gov.br/v2/2014/05/saudade-20-anos-sem-mario-quintana/