‘Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out’(2025) investiga religião e política em trama de assassinato

O primeiro Knives Out, que chegou ao Brasil com o título Entre Facas e Segredos, para além de uma divertida trama de investigação conduzida por um estrelado elenco, possuía um olhar afiado para as movimentações políticas da época, assim como as dinâmicas de classe. Por mais liberais e progressistas que alguns membros da família Thrombey fossem, eles se alinhavam com os conservadores em um ponto: não poderia ser possível uma empregada herdasse toda a fortuna da família, certo?

Glass Onion, a sequência lançada em 2022, preferiu simplificar as coisas, populando a narrativa com diversas caricaturas e chavões fáceis, que pareceram mais um checklist de piadas contra o universo dos oligarcas da tecnologia e influencers do mais diversos tipos.

Assim, dei play em Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out com certa desconfiança: qual caminho seria seguido? O da mínima complexidade ou do maniqueísmo fácil? A resposta, infelizmente, é o segundo caso, mas o diretor Rian Johnson embala a superficialidade com um assassinato cujas mecânicas são realmente intrigantes.

O terceiro capítulo da franquia é uma espécie de embate religioso entre o Padre Jud (Josh O’Connor) e Monsenhor Wicks (Josh Brolin), que possuem visões conflituosas sobre o sacerdócio. Jud vê a religião como um modo de abraçar e acolher o mundo, mesmo com seus defeitos e pecados, enquanto para Wick, religião é enfrentamento, combater os pecados do mundo, seus sermões são cheios de fúria, e a lealdade de sua congregação é mantida pelo medo.

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Há um paralelismo em jogo com essas duas figuras, pois Jud não está assim tão distante de Wicks. Um dos motivos dele ter adotado a batina é expiar o seu passado como lutador de boxe, marcado justamente pela raiva, o confronto, especialmente após ter matado um adversário no ringue.

Contudo, isso pouco entra em jogo em Vivo ou Morto pois, como apontado, é um filme interessado em superficialidades, logo, maniqueísta. A visão de Wicks é puramente abominável e a única complexidade possível para o personagem é o fato de ele ser a vítima da vez, com Benoît Blanc (Daniel Craig) precisando desvendar o assassinato de Wicks, que, à primeira vista, parece o crime perfeito: Wicks foi esfaqueado em um espaço onde seria fisicamente impossivel outra pessoa entrar sem ser vista.

Parte da graça do filme está justamente em desvendar a “mecânica” do crime, que deixa até Blanc um tanto estupefato. É divertido ver um personagem marcado pela genialidade quebrando a cabeça para entender algo, buscando novas perspectivas e indo além da dedução lógica.

Se a investigação em si se destaca, o elenco parece todo ficar em segundo plano. Por uma franquia conhecida por nomes de peso interpretando personagens peculiares, aqui eles deixam impressões rápidas, e a dinâmica entre eles pouco explorada.

No fim das contas, Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out reafirma uma tendência já perceptível em Glass Onion: a de trocar a observação social afiada por uma estrutura de entretenimento mais direta, guiada quase exclusivamente pelo engenho do enigma. O olhar atento para as dinâmicas políticas atuais permanece, mas não há mais tensão ou incômodo, por menor que seja. O bonzinho é bonzinho, e os malvados são malvados. Nada de errado com maniqueísmo, mas a própria franquia já mostrou que dá para ser mais.

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