8 livros, contos e filmes que abordam o feminicídio

Segundo o Código Penal Brasileiro, ofeminicídio é “o assassinato  de uma mulher cometido por razões da condição do sexo feminino.” Geralmente, o crime abrange “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.”

O Brasil, infelizmente, teve um aumento significativo de casos. A cidade de São Paulo, por exemplo, passa por um acréscimo de 8% em comparação ao ano anterior, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Pensando nisso, nós, do Jornal Nota, separamos algumas indicações de filmes, contos e livros que nos ajudam a refletir, elaborar e organizar a indignação perante esse cenário alarmante.

As Rosas, 1903 (Júlia Lopes de Almeida) (Conto)

Indicação de Larissa Natalia Silva

As Rosas é um dos contos pertencentes à obra Ânsia Eterna, coletânea publicada originalmente em 1903, que apresenta diversos temas relacionados à violência e experiências femininas. Nesta narrativa nos é relatada a história de uma mulher que sofre abusos da parte de seu companheiro e ao procurar pela ajuda de seu pai é assassinada por ele. 

O conto As Rosas apresenta uma mulher que, após sofrer violência do companheiro, busca refúgio no pai e encontra apenas mais opressão, sendo assassinada por desobedecê-lo, revelando a inexistência de saída para quem vive sob o domínio patriarcal. A narrativa expõe de forma grotesca como a figura masculina, seja pai, amante ou protetor, reivindica poder absoluto sobre o corpo e o destino da mulher, desmontando o mito do pai cuidador e evidenciando que a violência pode vir disfarçada de honra e controle.. A ausência da voz da filha intensifica essa lógica de silenciamento e desumanização, mostrando como mulheres são reduzidas a objetos de julgamento masculino. Assim, o conto não apenas narra um feminicídio, mas denuncia a naturalização da violência patriarcal e a fragilidade das estruturas que sustentam o poder masculino dentro do próprio lar” Larissa

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Marido, 1998 ( Lidia Jorge) (conto de Marido e outros contos)

Indicação de Dáleth Costa

“Mas há noites em que o marido não chega às sete, nem às oito, nem às nove. E se não chegar às dez, ela sabe que não chegará senão de madrugada. É por isso que a hora crucial da vida da porteira acontece entre as cinco e as sete.É dentro desses minutos decisivos da tarde que se dita o dia e a noite da porteira. A porteira aos cinco para as cinco acende a vela, põe as mãos pedindo que ele chegue antes do jantar. Uma maçada se ele só vier de madrugada.Já ela o ouve tocar, depois de subir, abrir a porta do elevador com dificuldade, sair de lá lentamente com o pé rígido, e depois a chave começa a cair junto da porta, sente levantá-la do chão, deve estar a revolver a chave, até que por fim ele a enfia, a roda, a desprende, a saca, fica dentro de casa e a casa se enche do seu hálito até às bacias e às janelas. Tropeça no sofá da saleta e chama: Lúcia! Ó Lúcia!”

Imagem: Reprodução/internet

“No conto da escritora portuguesa Lídia Jorge, somos apresentados a figura de Lúcia, protagonista envolta na penumbra de uma violência que se entranha em sua vida pela mão do marido. Leio essa narrativa a partir da perspectiva do tempo histórico. Entre 1933 e 1974, Portugal respirava sob o peso do regime salazarista, um país aprisionado por uma ordem totalitária que ecoava os valores de uma sociedade patriarcal , com a bênção do catolicismo. Nesse cenário, a crueldade misógina encontrava terreno fértil e, sobretudo, permissivo. Assim, Lúcia move-se num mundo em que não há portas a serem batidas nem instituições a que se possa pedir amparo. Apenas o silêncio imposto, a solidão forçada e a violência que se perpetua na sombra do Estado.”  Dáleth 

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“Os olhos dos mortos”, conto de O fio das missangas, 2003( Mia Couto)

Indicação de Luisa Bertrami D’Angelo

“[…] a maioria dos contos de O fio das missangas adentram com fina sensibilidade o universo feminino, dando voz e tessitura a almas condenadas à não-existência, ao esquecimento. Como objetos descartados, uma vez esgotado seu valor de uso, as mulheres são aqui equiparadas ora a uma saia velha, ora a um cesto de comida, ora, justamente, a um fio de missangas.”

Leia um trecho:

“Durante anos, porém, os passos de meu marido ecoaram como a mais sombria ameaça. Eu queria fechar a porta, mas era por pânico. Meu homem chegava do bar, mais sequioso do que quando fora. Cumpria o fel de seu querer: me vergastava com socos e chutos. No final, quem chorava era ele para que eu sentisse pena de suas mágoas. Eu era culpada por suas culpas. Com o tempo, já não me custavam as dores. Somos feitos assim de espaçadas costelas, entremeados de vãos e entrâncias para que o coração seja exposto e ferível.
Venâncio estava na violência como quem não sai do seu idioma. Eu estava no pranto como quem sustenta a sua própria raiz. Chorando sem direito a soluço; rindo sem acesso a gargalhada. O cão se habitua a comer sobras. Como eu me habituei a restos de vida.”


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LEIA TAMBÉM: A insurgência feminina em “Pelos olhos de Sisun”, de Chung Serang

A vegetariana, 2007 (Han Kang) tradução de  Jae Hyung Woo

Indicação de Bia Fonseca

“Em certas ocasiões cheguei a pensar que não era tão ruim assim viver com uma mulher esquisita. Vivíamos como dois estranhos. Estranhos, não: ela era como uma irmã, que faz comida e faxina a casa. Ou uma criada mesmo. Mas na minha idade, apesar do casamento morno, ficar em abstinência sexual por muito tempo era difícil de aguentar. Nas noites em que voltava tarde depois de algum jantar de negócios, eu me jogava sobre ela, com a desculpa da embriaguez.” 

Yeonghye, a protagonista de A Vegetariana, sequer tem voz em sua própria história, pois o livro é narrado primeiro pelo marido, em seguida, pelo cunhado e, por fim, pela irmã. A espiral de loucura na qual os acontecimentos se desenrolam começa com sonhos, na verdade, pesadelos, cheios de sangue, pedaços de carne e morte que passam a assombrar Yeonghye e a levam a tomar uma decisão: não comer mais carne. Mas ao passo que as narrativas atravessam a personagem, fica nítido que essa espiral é resultado não de um único evento, mas de um histórico de silenciamento e submissão, primeiro ao pai, à família, depois ao marido e à sociedade como um todo, pois ela dita em quais espaços cabe uma mulher e como ela deve ocupar esses espaços concedidos. Há aqui uma vida sem controle sequer do próprio corpo.” Bia Fonseca

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The Nightingale (2018) (filme)

Indicação de Clarissa Desterro

The Nightingale é um filme de faroeste australiano de 2018 escrito, dirigido e co-produzido por Jennifer Kent. Situado em 1825 na colônia penal de Terra de Van Diemen, o filme acompanha uma jovem que, após ser brutalmente estuprada por um oficial britânico que assassina seu marido e sua filha, se junta a um nativo em busca de vingança. 



Mulheres empilhadas, 2019 ( Patrícia Melo) 

Indicação de Rebeca Bulcão

Nesse romance intenso, que se lê de um fôlego só e que acompanha a trajetória pessoal de uma advogada, Patrícia Melo fala sobre a matança sistemática de mulheres no Brasil, que atinge democraticamente todas as classes sociais.

“Ao expor problemas ainda tão enraizados na sociedade como a violência contra a mulher e o feminicídio, decorrentes, sobretudo, de um sistema alicerçado no poder patriarcal, a autora escancara a desigualdade de gênero, a discriminação e a opressão feminina. Misturando conteúdo ficcional e fatos jornalísticos, a narrativa amplia a necessidade de discussão do tema, atuando também como uma forma de denúncia. Com uma linguagem sem rodeios ou, até mesmo, ácida, a narrativa ficcional demonstra de modo impactante outros episódios que tratam da temática que domina, subjuga e humilha as mulheres.” Rebeca 

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Entre Mulheres (2022) (Filme)

Indicação de Guilherme Rodrigues


Inspirado em um caso real, “Entre Mulheres” acompanha um grupo de mulheres de um culto religioso que vive isolado da sociedade. Durante dois dias, elas se reúnem para decidir o que fazer diante dos vários casos de violência sexual que sofreram. Deixar como está, lutar contra a situação ou abandonar o culto?

Imagem: Divulgação

Ângela Diniz: Assassinada e Condenada (minissérie)

Indicação de Letícia Magalhães

Com episódios semanais ainda saindo na HBO, esta série humaniza a vítima de um dos feminicídios mais brutais e conhecidos da história do Brasil. Acompanhamos a socialite mineira Ângela Diniz, interpretada por Marjorie Estiano, após seu divórcio e mudança para o Rio de Janeiro. Livre, ela se envolve com vários homens, até ser assassinada por Doca Street. É muito revoltante acompanhar o julgamento, com parte do público defendendo o assassino. Mas o mais revoltante é descobrir que a desculpa que absolveu Doca, de “legítima defesa da honra”, só deixou de ser levada em conta pela Justiça em 2023.

Imagem: Divulgação/ HBO MAX

“Mais abrangente e generosa que o filme Angela, também sobre Ângela Diniz, a minissérie carrega o selo de qualidade HBO e humaniza a mulher livre, leve e linda que teve sua trajetória brutalmente interrompida. Essa é para quem realmente quer descobrir quem foi Ângela Diniz”. – Letícia 

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