“Verde Suspiro”, de Wagner Tonin: um convite para repensar nossa relação com o meio ambiente

Os poemas têm o poder de absorver em sua essência as dores de seus (uas) poetas. Não somente as dores, mas a gentileza, as inquietações “as insignificâncias”, como bem disse Manoel de Barros. No caso do poeta Wagner Tonin, conseguimos sentir seu Verde Suspiro (2025).

Verde Suspiro é uma coleção de poemas, reunidos em uma edição de 84 páginas e publicado pela editora Urutau em setembro de 2025. São 36 poemas que o compõem e demonstram a sensibilidade do autor para o que há muitos anos vem acontecendo diante de nossos olhos, em todo planeta: a degradação exponencial do meio ambiente.

Durante a leitura, é possível acreditar que este livro está retido no presente, entretanto, Tonin, dá muitos indícios de que na verdade, este livro é um retrato das ações nocivas e da utilização desmedida do homem sobre a terra, que desde sempre encontra-se cansada e apresenta fortes sinais, como no poema “Nossa terra”:

“O suor no rosto

O sol do meio-dia

As marcas do tempo” (p. 15)

Marcas do tempo que não permitem à terra marcada se esquecer dos anos de sofrimento, enquanto a humanidade se mantém insensível, diante das cicatrizes profundas e do sangue que ainda jorra. Marcas que só demonstram que o tempo não apaga tão rapidamente as feridas abertas, pelo contrário, conservam em si, as memórias desse sofrimento.

Suspiros para o hoje, o ontem e o amanhã 

Os poemas nos conduzem para repensar nossa relação com o meio ambiente, mesmo após anos de uma relação abusiva e tóxica, que desencadeou em paisagens infrutíferas e campos cheios de cinza e morte, com sentido ora real, ora simbólico. Onde havia verde e vida, estão sendo “plantados” edifícios que crescem na vertical, enquanto massacram toda a vida que ali habitava. Mas os danos são muito maiores como Tonin chama atenção no seguinte verso do poema “Poeira”

“Nossa terra já não tem verde

Nosso quintal é de cimento

Nossas flores são de plástico

Nosso alimento contaminado

E nosso ar, inapelavelmente condenado” (p. 23)

Ou seja, enquanto a humanidade absorve toda energia do meio ambiente, acreditando que a natureza se regenera continuamente, a terra, água e o ar, emitem sinais nada silenciosos de que nós, os seres humanos, estamos sendo atingidos na mesma proporção, ou quem sabe, em níveis muito maiores. 

É na contaminação do solo, da água e do ar, que percebemos o quanto não há escapatória para a humanidade. A exploração é exponencial e a regeneração é linear e lenta. Nos diversos poemas, o autor alerta sobre estes fatos, repetidas vezes, e compreendo estas investidas, como o rompimento de um silêncio que estava preso em sua garganta: Acordem! Precisamos salvar nosso planeta! 

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Nosso planeta precisa respirar

Com linguagem simples e clara, o autor desenvolve seus poemas de forma não linear, usando ora uma linguagem literal, como um pedido de socorro para salvar o planeta, ora com metáforas muito sutis, que nos permitem continuar acompanhando a premissa de sua obra, sem nos distanciar da poesia, como pode ser entendido nos versos de “Sorrir e molhar os pés”:

“Tente dançar e bradar palavras,

Mas o céu está no chão

Vamos caminhar pelos tons de cinza,

Talvez exista outra cor” (p. 46).

Ao analisar o modo como o autor trata do meio ambiente, sinto que este não é retratado como um local que precisa de cuidado e proteção, mas como um ente querido que precisa de atenção urgente, e mais uma vez, a metáfora se faz presente como um elemento não somente da escrita, como uma recurso para sensibilizar a pessoa leitora.

O meio ambiente é comparado então com alguém que está convalescendo em um leito de hospital e que cedo ou tarde não estará entre nós, e talvez, nem mesmo nós estejamos. Abaixo, os versos nos aproximam deste ser que está partindo, afinal, parece que não há mais nada a se fazer em “Se apagando aos poucos”: 

“Queria tanto voltar

Mas os amigos se foram e não tenho outra opção

Será que ainda chego?

Será que ela ainda existe

É tão triste 

Nas tardes não ter mais para onde voltar” (p. 50)

Penso que há lugares para os quais sempre queremos voltar, assim como há pessoas que são como lugares e das quais não gostaríamos de largar. Senti durante a leitura essa relação cheia de pesar, com um toque acentuado de falta de esperança. Mas, diante do quadro que se apresenta, é difícil manter o pensamento positivo. Já fomos desenganados, e diante deste fato, é possível desistir ou esperançar.

Quando penso em esperançar e conjugo esse verbo que é mais do sentir, que do falar, lembro de Manoel de Barros, poeta cuiabano que se buscou e inventou palavras, enchendo o coração de quem o lê, com a poesia necessária para reconstruir cada pedacinho de nós e de sonho que porventura esteja despedaçado. Manoel pensou a natureza com quase nenhum distanciamento, como quem faz parte, inclusive quando diz: “No meu morrer tem uma dor de árvore”.

Em um de seus poemas, Tonin fala com saudade e demonstra com sutileza esse sentir o meio ambiente e de como tudo se desfaz em tão pouco tempo, restando somente a lembrança de tempos idos e vividos. Mais uma vez, ele dá voz e lágrimas ao meio ambiente e contemplamos sua tristeza representada pela morte de seus córregos e minas d’água, como descreve em “Deixe a água correr”:

“Em um instante

Tudo aqui já é passado

O córrego é encontrado apenas em poucas lembranças 

Em velhas fotos em preto e branco

E as minas d’água, soterradas

Já nem fazem ecoar seus últimos gritos de dor” (p. 60)

São esses gritos de dor que ecoam no tempo, que não é possível mensurar, que Wagner Tonin demonstra sua empatia e seu cuidado em apresentar de maneira poética o que a humanidade continua a fazer com o meio ambiente e como esse total descaso provoca danos irreversíveis. A palavra talvez não seja capaz de reverter o caos no clima, mas quem sabe a poesia, seja capaz de adiá-lo. Afinal em “Esgotados”, Tonin declara que,   

“Estamos em risco, enquanto muitos, mais ricos.” (p. 69)

Destaco inclusive um belíssimo poema do Manoel de Barros em seu Livro das Ignorãças (1916) que permite uma reflexão sobre como a natureza faz parte no nosso viver, bem como o sentir da presença da natureza faz total diferença no modo como nos estabelecemos enquanto pessoas e como a palavra, nem sempre é suficiente: 

“O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a

imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás

de casa.

Passou um homem depois e disse: Essa volta que o 

rio faz por trás de sua casa se chama enseada.

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que

fazia uma volta atrás de casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem” (p. 25).

Saber que há quem esteja ainda mais rico com a degradação do meio ambiente é ainda mais desesperador, afinal, há quem veja ganhos em destruir o planeta, nossa casa. Pessoas que visam apenas o lucro e a manutenção do poder pelo uso da terra, este recurso que nem nasceu para servir, mas para ser casa. 

Nego Bispo compartilha um pouco da sua infância em A Terra dá a terra quer (2023), quando ele “Colhia frutas no caminho para casa, me alimentava, brincava, passarinhar, tomava banho de riacho. Minha vida era um paraíso: aquilo não era trabalhar, era viver. Íamos vivendo – não precisávamos ter planejamento, só confluências” (p. 80). Dessa maneira, nos oferece um conselho muito importante de que esta vida pode ser diferente, longe da obsessão pela utilidade das coisas, do meio ambiente. 

A crítica do autor é contundente e declara às pessoas que lêem seus poemas, de quem são as mãos sujas de sangue que escorre da natureza. Ironicamente, o autor convida para um banquete regado a água suja, conforme descrito em “A vida e o cinza”:

“Beba comigo as últimas gotas de água suja

Da última poça, da última chuva” (p. 73)

O último Verde Suspiro

Se com o alerta deste Verde Suspiro, a pessoa que lê não sentir o constrangimento pelo estado degradado em que se encontra o meio ambiente e de como isso afeta a humanidade, já que esta também faz parte, então, sugiro que releia a obra e se possível, olhe pela janela e perceba que na “nossa terra não tem mais palmeiras onde canta o sabiá e as aves que gorjeiam aqui, não gorjeiam em nenhum lugar”, parafraseando Gonçalves Dias, a partir da sua Canção do Exílio (1846). 

Resta saber, se mesmo sem conseguir contribuir com algo para reduzir a poluição dos nossos rios ou a emissão de gases na camada de ozônio, a pessoa que lê, simplesmente não se incomoda. Afinal, como Tonin nos alerta com firmeza em “Ouro vermelho”:

“Optamos por escavar 

É a corrida do ouro vermelho

São tantos buracos que enterramos nossas cabeças 

E fazemos de conta que nada acontece, nada sabemos

Palavreando que os fins justificam os meios

Mesmo que este fim seja o nosso.” (p. 76)

Este pode ser o teu último Verde Suspiro, por isso, não o desperdice.

Sobre o autor:

Wagner Tonin nasceu em 1979 em Santa Gertrudes, uma pequena cidade do interior do estado de São Paulo. Autor dos livros Vermelho Poeira (2018) e Pandemônio (2021), ambos publicados pela Editora Urutau. Foi diretor e colaborador do FEST CLIP – Festival Nacional de Cinema de Videoclipe. Codiretor dos curtas-metragens/documentários Rock pé vermelho — premiado no Santos Film Fest (2023), prêmio Voto Popular —, Seu Bento (2025) e Ao alcance dos olhos (2025).

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