Tons autobiográfico e nostálgico marcam “O Último Episódio”, novo triunfo da Filmes de Plástico 

Quando estreia uma nova película da produtora mineira Filmes de Plástico, é um Evento – com E maiúsculo – para a cinefilia brasileira. Com mais de 15 anos de estrada, a produtora já nos legou grandes pequenos filmes, como os curtas “Fantasmas” (2010), hoje cult, e “Quando Aqui”, ganhador do Prêmio de Melhor Curta de 2024 em votação da Academia Brasileira de Críticos de Cinema, além de longas singelos e cheios de emoção, como “Marte Um” (2022) e “O Dia que te Conheci” (2024). A nova pérola é “O Último Episódio”, que se ancora na cultura pop para contar uma história sobre temas profundos.

O ano era 1991. O lugar, Jardim Laguna, bairro da periferia de Contagem que o protagonista chama de “meu universo”. O protagonista, aliás, é Erik (Matheus Sampaio), treze anos, aluno da sétima série e tendo como crush – perdão o anacronismo pelo uso de um termo moderno – a colega Sheila (Lara Silva), nova na escola. 

Um dia, ele vê que ela tem desenhado no gesso do braço um personagem de Caverna do Dragão e, para impressioná-la, Erik diz que tem uma fita – VHS! – com o lendário episódio final do desenho, que nunca foi ao ar. Erik convida Sheila para ir até a casa dele ver a fita e, para transformar a mentira em realidade, recruta os melhores amigos Cassinho (Daniel Victor) e Cristão (Tatiane Costa) para gravarem o último episódio.

Fonte: assessoria de imprensa

Ficção e realidade se confundem quando Erik fala sobre como seu pai era o fotógrafo oficial do bairro, e vemos fotos da época e um vídeo de Vilmar Martins pintando seu nome na parede anunciando o negócio de filmagem. O diretor Maurilio Martins é também o narrador em primeira pessoa do filme, e fica como especulação o que ele tirou da vida real para transpor para o cinema. As imagens, tanto as estáticas quanto as em movimento, só acrescentam uma camada de afeto à narrativa.

O filme entra mais uma vez no campo dos afetos logo depois da apresentação do pai, desta vez com a mãe de Erik. Ela era então remarcadora em supermercado, profissão exclusiva daqueles tempos de hiperinflação. Trabalhava de domingo a domingo e é apresentada tendo como trilha sonora uma música que repete “não está sendo fácil”.

Já chegamos a um ponto em que é possível sentir nostalgia pelos anos 90 – mais de 30 anos atrás, mas que para nós millennials parece que foi ontem. A série da Netflix “That ’90s Show” surfou bem na onda nostálgica. A nostalgia em “O Último Episódio” está presente desde os créditos iniciais, atingindo o ápice com a diretora que cheira os impressos recém-saídos do mimeógrafo.

Fonte: assessoria de imprensa

Eu não cheguei a acompanhar a Caverna do Dragão quando era criança, mas sabia sobre sua notória história sem fim. Exibida no Brasil a partir de 1985, ganhou notoriedade mesmo ao fazer parte da programação do Xou da Xuxa de 1986 em diante, mas só as duas primeiras de três temporadas foram exibidas nessa época. A terceira temporada estreou no Brasil em 1994. O último episódio, número 28, chegou a ter o roteiro escrito e aprovado, mas nunca foi produzido. Anos depois, foi publicado na internet.

A ideia de “faça você mesmo” não é nenhuma novidade no audiovisual. Dominou todo o Primeiro Cinema – período compreendido entre 1895 e 1915 – e também filmografias inteiras, como a do mestre trash Ed Wood. Esteve presente como tema na série de sucesso Cine Holliúdy, na qual um dono de cinema, vendo sua clientela preterindo-o pela novidade da televisão, começa a fazer filmes com o tempero do improviso.

O elenco jovem de “O Último Episódio” é verdadeiramente o destaque, mas é bom no meio de tantas caras literalmente novas ver o da veterana do cinema e da televisão Rejane Faria. Vale também mencionar as participações especiais do próprio diretor Maurilio Martins junto com seu filho pequeno, e dos também sócio-fundadores da Filmes de Plástico André Novais Oliveira e Gabriel Martins em pequenos papéis.

Hoje, é raro fazer amigos pelo bairro porque as crianças não brincam mais descalças na rua de casa. Hoje, uma IA faria o último episódio de Caverna do Dragão. Entretanto, a mesma beleza e emoção encontradas na fita aleatória no terço final do filme pode hoje ser alcançada com aquele vídeo salvo e esquecido na galeria do celular. Falar sobre escolher entre o analógico e o digital é forçar um debate inútil: pelo menos por enquanto, podemos ter o melhor dos dois mundos.

“O Último Episódio” chega aos cinemas em 09 de outubro. Confira o trailer:

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