“O Deserto de Akin”(2024): um filme sobre imigração, saudade e políticas públicas que doem

Em O Deserto de Akin, um dedicado médico cubano se apaixona pelo Brasil quando imigra para o país através do programa Mais Médicos. Seu trabalho com as comunidades indígenas e sua amizade e intimidade com novos colegas fortalece seu vínculo com o país, mas no final do programa ele precisa se decidir se volta para Cuba ou permanece sem poder atuar como médico.

O roteiro de O Deserto de Akin se destaca por abordar com sensibilidade e realismo o dilema do imigrante, equilibrando o conflito íntimo entre saudade da terra natal e o desejo de recomeçar em um novo país, sem recorrer a melodramas fáceis. Ao mesmo tempo, ele transcende o drama pessoal para fazer uma crítica social e política sutil, mas contundente, ao retratar o impacto do Programa Mais Médicos — especialmente nas comunidades indígenas e no interior do Brasil — e as consequências de seu fim abrupto em 2018, questionando não apenas as políticas públicas, mas também o lugar do imigrante em um contexto de instabilidade. A narrativa cotidiana e humanizada, focada nas relações e no trabalho do protagonista, reforça a ideia de que histórias como a dele são, acima de tudo, sobre pertencimento e resistência.

As atuações em O Deserto de Akin elevam o filme ao capturar com autenticidade a complexidade emocional de seus personagens. Reynier Morales, como o médico cubano Akin, equilibra sobriedade e vulnerabilidade, transmitindo suas angústias e afetos sem cair no exagero. Enquanto Ana Flávia Cavalcanti dá vida a Érica com nuances que vão do carisma à resiliência silenciosa, criando uma personagem cujas lutas pessoais—como cuidar da mãe doente—se entrelaçam organicamente com a jornada do protagonista. Juntos, eles constroem uma química que reforça o tom humanizado do roteiro, transformando dilemas políticos e sociais em dramas íntimos e palpáveis.

A fotografia de Kenzo Onishi é um trabalho meticuloso, ao optar por uma abordagem que valoriza a luz natural, a composição cuidadosa e o ritmo contemplativo. Onishi emoldura a história de Akin, buscando dar mais profundidade à experiência emocional ao espectador.

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O Deserto de Akin se consolida como um filme essencial ao unir narrativa humanizada, crítica política sutil e atuações profundamente comoventes. Bernard Lessa, com sua sensibilidade para temas como identidade e pertencimento, cria uma obra que transcende a história pessoal de Akin para refletir sobre deslocamentos sociais e afetivos, enquanto a fotografia contemplativa de Kenzo Onishi amplifica a carga emocional da jornada. Mais do que um retrato do Programa Mais Médicos, o filme é um testemunho poético sobre resistência e laços que se formam nas fronteiras entre culturas — um trabalho que confirma Lessa como um cineasta a ser acompanhado e celebra o cinema como ferramenta de diálogo íntimo com a realidade.

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