O traidor e A justiça dos homens de bem, de Afonso Nilson e publicado pela editora Proscênio, contém dois textos teatrais. Em O traidor, um soldado absolutamente fiel às regras de hierarquia militar, condecorado por sua competência em obter informações por meio da tortura, do assassinato e da ocultação de cadáveres, tem sua lealdade colocada à prova quando uma pessoa da família vai parar em sua sala de execuções. No texto A justiça dos homens de bem, em meio à tortura e jogos de poder, um agente penitenciário tenta justificar a execução que pretende cometer alegando legítima defesa.
O que é um soldado? É alguém que potencialmente cumpre ordens sem questionar, com prazer e até com orgulho, mesmo que essas ordens sejam torturar e matar, mesmo que essas ordens sejam torturar crianças para coagir pais rebeldes a relatarem seus companheiros. Mas e quando essas ordens incluem torturar alguém da própria família? A quem ser fiel? À Pátria ou a laços de amor e sangue? Um texto não apenas sobre os horrores da ditadura militar brasileira, mas para pensar sobre para quê e para quem realmente serve um soldado e seu exército.
Os textos teatrais abordam questões urgentes ante a ascensão da extrema direita no mundo e a popularização líderes atrelados às violências do fascismo. Como tendências despóticas e antidemocráticas parecem nortear a identidade das forças armadas? O quanto a tortura, em suas mais diversas formas, está presente no sistema prisional?
São questões presentes nos textos quando fazem referência, entre outros assuntos, a procedimentos de tortura utilizados na ditadura militar brasileira (1964 a 1985), mas também em diversos estados totalitários ou governados por autocratas.
“Numa guerra sempre tem gente que sabe demais e não quer contar nada. E vocês sabem, informação vence batalhas. O problema é que não havia jeito de fazer essa gente rebelde abrir o bico. Então, longe das câmeras e dos jornais, meus superiores criaram uma estratégia infalível. Os filhos. É tipo um passarinho, sabe? Frágeis, com aqueles olhinhos pequenos, cheios de medo e vontade de voar. As crianças não entendem o que está acontecendo, mas ficam felizes em ver seus pais, mesmo que eles estejam com a cara rasgada, sem dentes, com um olho furado ou sem uma orelha. Eles ficam felizes de qualquer modo. São crianças, e crianças ficam sempre felizes. Os pais, quando veem seus filhos, por um instante também ficam felizes, mas quando entendem o que vai acontecer, entram em desespero”.
O livro conta com apresentação e análise da pesquisadora e crítica teatral Daniele Avila Small. Uma das críticas de teatro mais atuantes do país, Daniele reflete sobre a crueza e brutalidade do texto como estratégia para não apenas para rememorar um dos períodos mais terríveis da história do Brasil, mas para perceber que de modo algum estamos distantes de ameaças autoritárias. Ela escreve: “Em O traidor, temos um personagem narrando uma parte da sua vida após o rompimento de algum limite de sanidade, depois de tantos limites ultrapassados sem hesitação. Ali podemos facilmente localizar a narrativa na história. Mas em A justiça dos homens de bem, a ação parece suspensa no tempo. Ela pode ser contemporânea da outra, mas também pode ser de hoje”.
A publicação do livro O traidor e A justiça dos homens de bem foi viabilizada com recursos da Lei de Fomento Cultural Aldir Blanc em Laranjeiras do Sul/PR, e teve como contrapartida social a distribuição gratuita de 140 exemplares do livro para estudantes da rede pública de ensino e artistas da cidade, bem como a realização de palestras em escolas da região.
Sobre o autor:
Afonso N. Souza é dramaturgo com dezenas de textos encenados no Brasil e em Portugal. Seu texto encenado mais recente, Revista Íntima, tem lotado teatros desde a estreia, no final de 2023. Em sua apresentação mais recente, no teatro Ademir Rosa, em Florianópolis/SC, levou mais de 900 pessoas ao teatro em uma única sessão. Em seus novos textos teatrais publicados, O traidor e A justiça dos homens de bem, o autor se debruça sobre temas que estão em ebulição nos noticiários e na política brasileira, como golpe de estado, ditadura militar e ascensão da extrema direita. Professor, pesquisador de teatro e ensaísta, venceu em 2015 o Prêmio Iberoamericano de Ensaios Sobre Teatro – CELCIT com seu texto O Ator Impuro, também publicado em livro homônimo. Seus textos são continuamente encenados por estudantes de teatro e por artistas e grupos profissionais. Mais sobre o autor pode ser visto no site: www.afonsonilson.com.
Sobre o ilustrador da capa:
Robson Barbosa (@ilustrablack) é um prolífico ilustrador brasileiro, autor de ilustrações para capas de diversos autores, como Pastor Henrique Vieira ( O Jesus Negro); Martinho da Vila (a autobiografia Martinho da Vida); Gilvan Ribeiro (A Revolta dos Malês), entre muitos outros. Do dramaturgo Afonso Nilson, Robson Barbosa é autor das ilustrações das capas dos livros Revista Íntima (2023), A declaração de amor do menino negro (2021) e agora o recente O traidor e a A justiça dos homens de bem (2025).
Compre o livro aqui:
O livro está disponível em versão impressa e digital em diversas lojas virtuais como Estante Virtual, Amazon, Kindle, Umlivro e no site do autor: www.afonsonilson.com