Trauma, beleza e amizade em “Sem despedidas”, de Han Kang

Romance assombroso e visionário de Han Kang, Prêmio Nobel de Literatura 2024, Sem despedidas nos conduz — com a mesma qualidade de seus livros anteriores, como A vegetariana e Atos humanos — a uma jornada emocionante à Coreia do Sul contemporânea e sua dolorosa história.

“No período de quatro anos entre a noite em que tive o sonho pela primeira vez e aquela madrugada de verão, vivi algumas despedidas. Algumas foram escolha minha, mas outras foram imprevisíveis, e eu só queria que parassem. Se, como dizem várias religiões antigas, existir em algum lugar — no céu ou no mundo dos mortos — um espelho gigantesco que observa e documenta cada movimento das pessoas, o registro dos meus últimos quatro anos seria como um caracol saindo da concha e avançando em cima de uma lâmina. Um corpo que deseja viver. Um corpo que é apunhalado e cortado. Um corpo que rejeita, abraça e agarra. Um corpo que se ajoelha. Um corpo que implora. Um corpo que se esvai, sem parar, em sangue, pus ou lágrimas.”

Mesclando imaginação e realidade, corpo e memória, amizade e trauma, a narrativa tem como ponto de partida uma viagem de última hora. Kyung-ha, uma escritora, sai de Seul para a ilha de Jeju — onde dezenas de milhares de cidadãos foram aniquilados entre 1948 e 1949 —, até a casa de sua velha amiga Inseon, uma fotógrafa e cineasta experimental que largou a vida na cidade grande para se dedicar à marcenaria e à mãe debilitada. Hospitalizada após um grave acidente em sua oficina, Inseon implora a Kyung-ha que se desloque o mais breve possível até Jeju para alimentar seu amado pássaro de estimação, deixado às pressas e sem assistência.

Kyung-ha pega o primeiro avião para Jeju, mas uma nevasca atinge a ilha quando ela desembarca, mergulhando-a em um mundo branco e opaco. Acossada por rajadas de neve e ventos gelados e cortantes, ela se pergunta se conseguirá chegar a tempo de salvar o animal — ou se até mesmo será capaz de sobreviver ao frio brutal que a envolve a cada passo. Quando a noite cai, ela luta para chegar à casa de Inseon, ainda sem saber da verdadeira descida à escuridão que a espera.

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Ali, a história há muito enterrada da família de Inseon vem à tona, entre sonhos e memórias transmitidos de mãe para filha, e em um arquivo meticulosamente reunido que documenta o terrível massacre na ilha, ocorrido às vésperas da Guerra da Coreia, setenta anos antes. Um trauma nacional cujas consequências na vida emocional de cada cidadão nunca poderão ser apagadas.

Nestas páginas de beleza extraordinária, Han Kang compõe um poderoso manifesto contra o esquecimento. E transforma, graças à literatura, um episódio de violência indescritível em uma celebração da vida, por mais frágil que seja.

Sobre a autora:

Uma das maiores escritoras contemporâneas, Han Kang nasceu na Coreia do Sul, em 1970. Aclamada mundialmente, é autora de A vegetariana, Atos humanos e O livro branco, todos publicados pela Todavia.

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