Adolescence (2025): minissérie da Netflix é uma obra de “TV sem defeitos” que você nunca vai esquecer

Adolescence apresenta um problema aparentemente sem solução na realidade atual, e também mostra que nem o mínimo parece estar sendo feito na tentativa de resolver. 

O novo hit da Netflix é uma minissérie britânica que começa com a polícia invadindo uma casa simples em alguma cidade do interior da Inglaterra para prender um menino de 13 anos acusado de esfaquear uma colega de escola até a morte. A partir disso, o que se segue é um drama devastador em 4 episódios de uma hora em uma obra que, inclusive, foi recomendada pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer. 

A crítica especializada descreveu a minissérie como o melhor exemplo de “flawless TV” nas últimas décadas, ou seja, TV sem defeitos. E esse é um caso de quase consenso entre público e críticos, pois o primeiro episódio já entrega tudo que levou a audiência a colocar Adolescence no topo dos mais vistos da Netflix em vários países: um enredo chocante, atuações arrebatadoras e um realismo tocante. Entretanto, além de tudo isso, o mais impressionante talvez seja o formato. 

Christine Temarco como Manda Miller e Stephen Graham como Eddie Miller (direita), em Adolescence

Cada um dos episódios de 1 hora foram gravados inteiramente em plano-sequência, que é o tipo de gravação sem cortes em que tudo acontece em tempo real. 

A alta qualidade leva a crer que alguns truques foram usados, assim como em outros excelentes filmes que usam o recurso, Birdman (Alejandro Iñárritu, 2015) e 1917 (Sam Mendes, 2019). Nesses outros casos, há planos-sequência individuais com tomadas de 9 ou 10 minutos – o que já é uma grande coisa – que são costuradas por cortes ocultos para parecer que o filme todo ou quase todo é um grande take único. 

Os episódios de Adolescence, entretanto, não têm absolutamente nenhum corte. Esse é um dos méritos que a Netflix tem valorizado bastante na divulgação com vários vídeos de making of. O segundo episódio, inclusive, tem uma cena em que a câmera sai de uma escola, sobrevoa a cidade e chega a outro set de gravação. 

Nessa ocasião, a ausência total de cortes parece impossível, sobretudo em tempos em que inteligências artificiais são usadas até mesmo para corrigir a voz e a fala de atores como aconteceu em The Brutalist. Mas em Adolescence, a equipe técnica estava a postos para suavemente acoplar a câmera em um drone assim que ela saía da escola e se direcionava ao outro set. 

Erin Doherty como Briony Ariston e Owen Cooper como Jamie Miller (direita), em Adolescence

A escolha do plano-sequência foi uma das primeiras ideias que Stephen Graham teve para a minissérie. Além de ser o ator que interpreta o pai do menino acusado, ele é criador e produtor de Adolescence. Apesar de só conquistar um grande reconhecimento internacional agora, ele já tem uma extensa carreira como ator em filmes como Gangues de Nova York, Piratas do Caribe, séries como Peaky Blinders e até videoclipes como o de Fluorescent Adolescent, do Arctic Monkeys, onde interpreta o palhaço. 

Quando ligou para Jack Thorne (roteirista de Extraordinário e Enola Holmes), sua dupla na criação da minissérie, ele queria fazer algo sobre violência praticada por rapazes muito jovens em uma história gravada sem cortes com um enredo em que não houvesse culpados.

Essas duas decisões previamente tomadas, certamente, são o que garantem a perfeição atestada pela crítica e o envolvimento profundo do público. Dessa forma, a trama nos obriga a acompanhar em tempo real a saga de um menino de 13 anos que, de fato, cometeu um crime hediondo apesar de repetir muitas vezes que não fez nada de errado, o desespero de uma família que, assim como nós, custa a acreditar no que aconteceu e o completo desolamento de uma escola e de uma comunidade diante do ocorrido. 

Há um desencontro de comunicação

É natural do ser humano procurar por respostas e apontar culpados diante de uma tragédia. No entanto, Adolescence não entrega nada disso ao telespectador, provavelmente, por isso uma parte do público tenha ficado insatisfeita, especialmente, com o último episódio. Mas é justamente a falta de solução que eleva o realismo da obra ao nível da crueza. 

Embora não haja responsáveis diretos, a obra indica um fator determinante: a presença crônica dos jovens nas redes sociais e acima de tudo a falta de controle e compreensão por parte dos adultos do que esses adolescentes fazem e falam enquanto estão online. 

Amari Jayden Bacchus como Adam Bascombe (esquerda) e Ashley Walters como detetive Bascombe (direita), em Adolescence

O maior sintoma disso retratado em cena é quando o filho do policial responsável pelo caso explica ao pai que a conversa por comentários entre o acusado e a vítima numa publicação do Instagram, na verdade, não era uma demonstração de amizade. A abordagem ao movimento incel, por meio da interpretação de textos e emojis, mostra a lacuna imensa que há na comunicação usada pelas gerações mais jovens e as mais maduras. 

Jamie Miller, o protagonista de 13 anos que cometeu o crime de violência fatal contra sua colega de escola Katie, é um menino inteligente que mostra não ser realmente adepto das comunidades de incels. É justamente por essa perspectiva que a minissérie mostra a força de mensagens tão fortemente propagadas e como as vantagens e atalhos que esses discursos oferecem acabam sendo internalizados até por quem não integra essas comunidades, sobretudo quando se é jovem e inseguro, em busca de aceitação

É urgente controlar o tempo dos jovens nas redes sociais ou até mesmo limitar o seu acesso e é preciso entender os códigos que esses jovens usam nessas plataformas. Hoje, as principais iniciativas a esse respeito parecem em sua maioria voltadas à publicidade: “como se comunicar com a geração alpha e a geração Z?”, mas pouco parece ser feito a fim de entender o que realmente esses jovens querem e precisam dizer. Nesse contexto, Adolescence brilhantemente acendeu um grande alerta. 

Após semanas de ensaio, Adolescence foi gravado em apenas 5 dias, sendo o primeiríssimo e espetacular trabalho do jovem ator Owen Cooper que interpreta Jamie, o protagonista. Mas os números mais impressionantes acerca dessa minissérie é que ela foi inspirada por uma tendência que vem crescendo no Reino Unido: nos últimos anos, quase 20% dos crimes de esfaqueamento são cometidos por jovens entre 10 e 17 anos. 

Minha nota para Adolescence no Letterboxd: 4 estrelas e meia. 

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