Café Tangerinn, da autora italiana Emanuela Anechoum, publicado pela Biblioteca Azul em 2025, é um livro que nos leva a refletir, a partir do luto, sobre o pertencimento, sobre a busca de si mesmo e como somos constituídos pelas pessoas que amamos.
Após passar seis anos longe de casa, um acontecimento faz com que Mina precise retornar à sua cidade natal: a morte de seu pai. Ao retornar, surge uma relação de estranheza com um passado com o qual ela já não se identifica. O que deveria trazer a sensação reconfortante de lar faz com que ela se questione sobre seu lugar de pertencimento. Sendo uma italiana, descendente de imigrantes marroquinos, que vive em Londres, é como se ela transitasse como uma estrangeira por todos esses lugares.
“Senti de súbito uma inconfundível sensação de familiaridade com o espaço ao meu redor, uma compreensão absoluta da maneira como as coisas e as pessoas eram naquele lugar, como se nada ali pudesse me surpreender – e, ao mesmo tempo, uma sensação de total estranheza, um doloroso distanciamento do eu que havia crescido naquele lugar, porque ali, aquela que eu havia me tornado não tinha espaço.”
Restou de seu pai um último pedido: o de que ficasse na cidade e ajudasse sua irmã Aisha a cuidar do café da família. Durante este tempo, surgem questões sobre sua vida e suas relações com as pessoas de Londres, as amizades envoltas por certos desconfortos e superficialidade, totalmente contrastantes com sua vida ali.
Enquanto enfrenta o luto e tenta se ajustar à nova realidade, Mina reflete sobre sua decisão de ter ido embora e como isto pode ter sido uma tentativa de tornar-se uma nova pessoa, buscando seu espaço de pertencimento no mundo. No entanto,, era necessário que ela fosse embora para tornar-se livre e pertencer?
Ela narra, paralelamente, a história de vida de seu pai como se falasse com ele, é como se Mina buscasse encontrar uma maneira de compreender quem foi seu pai e quais foram as decisões que fizeram com que ele se tornasse quem se tornou. Ela trata das relações familiares, das relações entre os irmãos.
A história de Mina por alguns momentos se assemelha à história de seu pai, a busca por uma identidade, por liberdade, por um futuro melhor para ela e sua família. Também entram em foco as relações familiares de Mina: o desconforto provocado por sua mãe, por quem ela mantém sentimentos confusos, a sua irmã, que ficou no lar enquanto Mina foi embora.
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Ao ler esta narrativa, não pude deixar de pensar sobre como as pessoas também podem ser um lugar de pertencimento. Ao perder uma pessoa querida, ela precisa reaprender a viver em um mundo no qual já não existe este espaço de acolhimento. Ao perdê-la, ela perde também parte de si.
“Pai, tenho medo de quem me tornarei neste mundo em que você não está presente. Quem eu me tornei nesses anos em que o afastei, apaguei, neguei, em que me escondi onde você não podia me ver, me alcançar, me tocar?”
As mudanças que o luto nos causa são um ponto de partida interessante a ser analisado. A partir do luto, ela mergulha em um profundo processo de autoconhecimento, avaliando as escolhas do pai e as suas próprias escolhas, refletindo sobre o que ela realmente quer e quem deseja se tornar. Encontramos ainda muitas reflexões sobre o processo de crescer, tornar-se adulto, precisar fazer escolhas e arcar com o peso de suas consequências.