Missal para o Diabo: contos e poemas assombrosos”, da editora O Grifo, coletânea reúne contos e poemas sombrios de Cruz e Sousa
Quando ouvimos o nome Cruz e Sousa, muitos de nós lembramos do poeta catarinense, cuja obra se encaixou no que foi chamado movimento simbolista. Autor dos livros “Missais” e “Broquéis”, o poeta foi um dos maiores nomes do simbolismo nacional, e seus poemas aliaram elementos do simbolismo a outros do parnasianismo, unindo o gosto pelo soneto e pela linguagem requintada às temáticas pessimistas e transcendentais do simbolismo.
Porém, talvez não seja lembrado com tanta frequência que Cruz e Sousa também escreveu prosa, e que a temática pessimista em sua obra trabalhou com temáticas não apenas pessimistas, mas completmanente sombrias, o que não é de se estranhar, vindo de um poeta negro vivendo ainda em um horrendo país escravocrata, em que seus semelhantes eram torturados em plena luz do dia e vendidos como objetos. De fato, essa é a temática do texto que abre a coletânea “Missal para o Diabo: contos e poemas assombrosos”, da editora O Grifo, coletânea organizada pelo editor, Ismael Chaves, que reúne contos e poemas sombrios de Cruz e Sousa.
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O texto inicial, intitulado “Consciência tranquila”, não pode ser descrito como qualquer outra coisa que não um conto de horror, um horror por demais real em relação ao seu contexto histórico, pois nele são descritas torturas de pessoas escravizadas. Enquanto ocorrem as torturas, nos é apresentada a figura de um cruel escravocrata, o comandante das torturas, o qual se deleitava em assistir aos atos.
A obra segue com outras prosas mais simbólicas e reflexivas, bem como uma sobre um padre escravocrata, texto este que segue atual, pois, apesar de a escravidão ter acabado, ainda vivenciamos o racismo e muitas outras violências, muitas das quais praticadas por membros de igrejas, pessoas que deveriam agir em razão do bem comum, não do ódio.
Dentre os poemas, temos diversos sonetos de temáticas sombrias, com forte influência de Baudelaire, conforme analisa no posfácio o pesquisador Alcebiadez Diniz Miguel, o qual explora a influência do simbolismo francês no Brasil e a grandeza da obra de Cruz e Sousa, sendo seu maior expoente, ainda que sem reconhecimento em vida, como diversos grandes poetas desde o próprio Baudelaire a Edgar Allan Poe, etc.
No entanto, apesar de lhe faltar reconhecimento em vida, não lhe faltou voz para criar e denunciar as crueldades de sua época, e essa voz segue ecoando até os dias de hoje, agora podendo chegar a mais leitores com esta bela edição da O Grifo, que traz, além do já mencionado posfácio por Alcebiadez Diniz Miguel, uma ótima introdução por Alê Garcia, e belas ilustrações junto a cada um dos textos.