“Quem se entendia no andar e não tolera estar entediado, ficará andando a esmo inquieto, irá se debater ou se afundará nesta ou naquela atividade. Mas quem é tolerante com o tédio, depois de um tempo irá reconhecer que possivelmente é o próprio andar que o entendia. Assim, ele será impulsionado a procurar um movimento totalmente novo. […] Comparada com o andar linear, reto, a dança, com seus movimentos revoluteantes, é um luxo que foge totalmente do princípio do desempenho.” — Byung-Chul Han.
O trecho acima poderia facilmente ter sido retirado da nova produção de Os Satyros, o grupo teatral brasileiro com linguagem experimental, que está em cartaz em São Paulo: O Que Vem Depois da Pele nos apresenta uma fábula moderna que mescla a fantasia da subjetividade humana com a crueza da realidade do século XXI.
Com um processo de criação que durou mais de um ano, o grupo que estreou em janeiro e fica até dia 16 em cartaz no tradicional espaço de teatro localizado na Praça Roosevelt conta:
“O processo foi longo e de muita imersão, foram muitas reuniões até chegarmos até aqui. Nós (atores) fomos trazendo nossas experiências e testando em cena o que queríamos decifrar ou revelar com esse trabalho, a cada apresentação sentimos que estamos dizendo um pouco mais, é um processo que continua em desenvolvimento… Como a Criatura a peça é viva” ⸺ diz Giovanni Stefano, um dos atores.
Com uma narrativa cronológica da existência, já no início do espetáculo somos apresentados à Criatura, personagem que acompanhamos ao longo da peça e que, ora parece ser composta de vários pedaços de gente ― fragmentada como uma invenção de Frankenstein ― e ora parece se apresenta em porções de uma mesma história vivida por seres totalmente diferentes.
Nos proporcionando de forma eloquente uma experiência com diversas construções imagéticas, a peça causa um com efeito visual marcante que se deve ao trabalho impecável do coletivo, com colaboração das talentosas: Cleonice Moreira, Marly Moura, Tai Zatolinni. Algumas cenas nos prendem enquanto espectador e de maneira intrínseca e lúdica nos levam a adentrar em um universo cenicamente simbólico e surrealista nos forçando a buscar ou reconhecer em nós alguns significados que não nos são dados de graça ao longo da peça.
Apesar de instigante, há sim alguns momentos em que a peça se perde em seu mar de referências e jogos cênicos, há ainda breves momentos em que se torna perceptível algumas (questionáveis) caricaturas que se desenvolvem mal no jogo de cena.
Outro ponto que pode chamar a atenção é a quantidade de elementos colocados em ação: drama, musical (que lembra um culto religioso), audiovisual, tudo está ali o tempo todo, o que pode incomodar a alguns, também pode ser uma leitura autêntica da crítica ao consumo excessivo e a essa sociedade que nos instiga reiteradamente a querer ter e ser o que nos vendem.
Contudo, não há tempo para reflexão, ou há? O monólogo final traz, com a força vocal da impecável Isa Tucci, toda a humanidade presente na Criatura. Então, a peça termina no momento certo e não deixa lacunas ou espaços em aberto o que expõe, mais uma vez, a direção prodigiosa de Diego Ribeiro. O Que Vem Depois da Pele é um espelho simbólico na nossa condição.
Claramente, há pequenos ajustes a serem feitos, lapidações cênicas que são construídas a cada novo espetáculo, pois assim é o fazer teatro, mas O Que Vem Depois da Pele é sim uma peça pronta para se apresentar ao mundo.
FICHA TÉCNICA
Coordenação: Rodolfo García Vázquez
Texto e Direção: Diego Ribeiro
Assistência de Direção: Gustavo Ferreira
Preparação Vocal e Composição: Andre Lu
Cenografia e Figurino: Coletivo
Assistência de Figurino: Cleonice Moreira, Marly Moura, Tai Zatolinni
Assistência de Cenário: Eduardo Chagas
Iluminação e Sonoplastia: Diego Ribeiro
Elenco: Aurélio Lima, Débora Ferreira, Emerson Formigari, Francisco Melo, Gabriel Mello, Gabriel Moura, Giovanni Stefano, Isa Tucci, Klaus Sapphire, Lu Astolfo, Marina Bragion, Morena Marconi, Pauliana Reis, Philipp Anchieta e Raio Camilo
Arte/Identidade Visual: Philipp Anchieta
Realização: Os Satyros