A verdadeira dor (2025): com atuação indicada ao Oscar, filme surpreende com comédia para falar do Holocausto

As glórias do passado podem não dizer nada, mas as dores gritam. Em passeios pelas residências favoritas de Napoleão ou por monumentos a vitoriosos de guerra, a história pode não nos tocar. Mas em lugares como campos de concentração, o peso da memória é incontestável. A verdadeira dor (2024) é sobre esse sentimento. Dois primos judeus, afastados pelo curso natural da vida, se encontram para uma viagem dos Estados Unidos à Polônia para visitar a cidade natal da sua recém-falecida avó, uma sobrevivente do Holocausto. Lá, eles se juntam a um grupo para um tour guiado em que percebem o que os aproxima ou afasta de se reconectarem. 

Jesse Eisenberg e Kieran Culkin em A verdadeira dor

Este enredo pouco empolgante deve ter feito alguns espectadores pensarem que “a verdadeira dor” foi ver esse filme até o final. Por boa parte dos seus 90 minutos, tudo parece uma má ideia, afinal, uma comédia leve embalada por pianinhos de Chopin e com um quê de Woody Allen e Lost In Translation não parece a melhor escolha para contar uma história sobre memória do Holocausto. 

Mas essa ambientação passa a fazer sentido quando você se deixa levar pelas atuações. Kieran Culkin, o Roman Roy de Succession, volta aqui com a sua atitude sem medo, ou sem noção, de falar tudo o que vem à cabeça. Ele é o primo extrovertido da dupla e é um nome forte para as maiores premiações de 2025, tanto que já levou o Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante. A categoria, no entanto, parece injusta, pois ele e Jesse Eisenberg, ator que dirige o filme e interpreta o outro primo, exercem o mesmo grau de protagonismo, ainda que em forças opostas. 

Kieran Culkin em A Verdadeira Dor

O jogo de oposições é precisamente o que torna o filme interessante: o conflito familiar entre o primo carismático e o primo retraído, ou o primo de quem você sente vergonha alheia e o primo de quem você sente pena, o quanto eles se desprezam e, ao mesmo tempo, se amam e como eles se apropriam da memória do Holocausto de formas diferentes. Benji (Kieran Culkin) assume a ancestralidade pelo peso do sofrimento, enquanto David (Jesse Eisenberg) interpreta a trajetória da avó sobrevivente como uma jornada de milhares de milagres para que, então, eles pudessem viver, ter sucesso e honrar a sua história. 

Neste, que já é seu segundo trabalho como diretor e roteirista, há que se reconhecer a sensibilidade de Eisenberg na composição dessa trama simples, mas inesperada. Ele escreveu e dirigiu bem as cenas de tensão, sobretudo, aquelas que fizeram Culkin ser um dos queridinhos das premiações. Apenas pesou a mão em alguns monólogos: na breve hora e meia do filme, é usado em excesso o recurso da fala longa em que um personagem revela sua história e vulnerabilidades aos demais personagens e ao público. Nesse contexto, entretanto, é um ponto positivo que a montagem do tour guiado em grupo seja feita de uma forma tal que o espectador também se sinta parte da viagem. 

Contudo, em possíveis disputas entre o primo Benji e o outro Roy de Succession, Jeremy Strong por seu papel em O Aprendiz (2024), seria mais merecido que o último levasse a melhor. 

Talvez você passe o filme todo se perguntando por que essa configuração foi escolhida para um filme sobre o Holocausto. Apesar disso, o roteiro tem um grande mérito: é um filme sobre memória, mas não tem flashbacks, ou fotos da avó, ou pequenos talismãs familiares. 

Todo o valor e o significado dessas lembranças ficam a cargo dos diálogos. Isso fez lembrar de uma cena de Meryl Streep em Álbum de Família (2013), sua personagem é uma matriarca idosa que, rude no trato com os familiares, deixa todos a mercê do seu senso de humor cruel e sua oscilante lucidez. Ela tem um monólogo em que se recorda de, na adolescência, ter pedido à mãe um par de botas de cowboy no Natal. Era o seu sonho para conquistar o menino da escola por quem era apaixonada. Na manhã de Natal, ela lembra que seu pedido estava numa caixa sob a árvore, mas eram botas de trabalhador do campo, cheias de buracos, lama e cocô de cachorro. Essa cena, além de fundamentar a dureza de espírito da personagem, é especial porque você consegue visualizar essa memória, embora nada disso tenha passado na tela. 

Culkin e Eisenberg são convincentes ao narrar suas lembranças em cena, mas não a esse grau. De qualquer forma, estão perdoados por não entregarem uma performance à altura de Meryl Streep. 

A verdadeira dor levanta questões importantes: diante de um passado de sofrimento histórico, a quem é permitido sentir dor? E a quem é permitido seguir em frente? Como bom filme que é, deixa as suas perguntas sem respostas. 

Minha nota para A verdadeira dor no Letterboxd: 3 estrelas. 

A real pain (2024) 

Direção e roteiro: Jesse Eisenberg

Duração: 1h e 30 min

Revisado por Guilherme Mendonça

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