Sweeney Todd – O Cruel Barbeiro da Rua Fleet é uma grandiosa produção de 2025. Estrelado pelos veteranos Saulo Vasconcelos e Andreza Massei, o espetáculo proporciona ao público uma experiência imersiva, onde vingança, humor ácido e melodias clássicas do lendário compositor da Broadway Stephen Sondheim – que faleceu em 2020, entrando para a história como um dos maiores nomes da história do teatro – se unem para criar uma noite memorável. Sob a direção magistral de Zé Henrique de Paula, o musical reafirma o poder narrativo e emocional que fez de Sweeney Todd um clássico eterno.
A trama e os personagens
Para os que desconhecem a história, Sweeney Todd segue a jornada de Benjamin Barker, um barbeiro injustamente condenado a uma vida de trabalhos forçados na colônia penal do império britânico vitoriano, a Austrália, que retorna a Londres após 15 anos de exílio, agora assumindo o nome de Sweeney Todd. Com sede de vingança contra o juiz que o prendeu por desejar a mulher de Barker, e que roubou dele a esposa e a filha, ele se alia à astuta e espirituosa Mrs. Lovett, dona de uma decadente loja de tortas, para tramar um plano sombrio: Todd utiliza sua barbearia para eliminar seus inimigos, enquanto Lovett transforma os cadáveres em recheios de torta, resultando em um inesperado boom de vendas. Este equilíbrio entre o grotesco e o cômico é o que torna a obra de Sondheim tão singular – ainda que extremamente estranha e bastante perturbadora -, e a produção brasileira traduz isso de forma brilhante.
O magnífico Saulo Vasconcelos, um dos nomes mais respeitados do teatro musical nacional, está fenomenal como sempre como Sweeney Todd. Andreza Massei, como Mrs. Lovett, é o equilíbrio perfeito para o Todd circunspecto, sério e assustador de Vasconcelos, com uma performance carismática, cheia de energia, humor e astúcia, conferindo uma humanidade cativante à personagem. O resto do elenco também é brilhante, fazendo jus, como o teatro musical brasileiro com frequência faz, à produção da Broadway – que em 2023 viu uma esperada e elogiadíssima revival do show, estrelada pelo gigantesco Josh Groban, com Lovett sendo interpretada por Annaleigh Ashford; a dupla de personagens icônicos passou, depois, para outros dois nomes também imensos no teatro musical mundial, Aaron Tveit e Sutton Foster.
A visão criativa de Zé Henrique de Paula
A direção de Zé Henrique de Paula é um dos pontos altos da produção. Conhecido por sua sensibilidade e por sua abordagem inovadora, o diretor entrega uma montagem que respeita as raízes da obra de Sondheim, mas que também adiciona toques próprios que se adaptam ao espaço e às necessidades da produção. Sua Londres é ao mesmo tempo histórica e simbólica, um lugar de decadência e opressão onde os personagens são aprisionados por seus desejos e tragédias. A escolha de elementos cênicos minimalistas é uma opção que parece visar enfatizar as performances.
Os cenários, criados com grande cuidado, transformam o palco em um ambiente sombrio e claustrofóbico, refletindo a tensão constante da narrativa. A barbearia de Todd, que a letra enfatiza como sendo simples e espartana com sua cadeira macabra que se abre para um porão mortal, é um exemplo notável da eficiência estética da produção. Cada detalhe do cenário parece cuidadosamente pensado para reforçar o tom sinistro da história, enquanto a iluminação de Fran Barros utiliza contrastes de luz e sombra para acentuar os momentos mais intensos e emocionais e, sobretudo, as mortes.
A força da música e a direção musical
A música de Sweeney Todd é, é claro, seu grande atrativo, sendo uma das composições mais famosas da longeva e célebre carreira de Sondheim. Embora o compositor seja muito versátil e tenha um histórico de composições bastante diversas, seu trabalho é normalmente bastante intrincado, complexo, e com frequência com elementos que propositalmente visam causar estranhamento e impacto, em um estilo bastante diferente de vários de seus contemporâneos, como o igualmente gigantesco Andrew Lloyd Webber, cujas composições são mais grandiosas e, de maneira geral, palatáveis.
A direção musical de Fernanda Maia faz justiça ao score de Sweeney Todd, cujas composições variam entre o melancólico e o explosivo. Os arranjos são executados com precisão, destacando a riqueza das harmonias e a complexidade das melodias características de Sondheim que tornam o musical tão desafiador e fascinante. Vocalmente, o elenco principal e o coro são impressionantes. Os solos de Vasconcelos e Massei têm uma potência emocional que transporta o público diretamente para o coração dos personagens, enquanto os números de conjunto são executados com sincronia impecável.
O único senão, muito comum com traduções musicais de maneira geral, reside nas letras – um dos maiores trunfos de Sondheim, cujas composições por vezes peculiares sempre foram imensamente elevadas por seu talento como liricista– que inevitavelmente perdem certa nuance e beleza quando saem do idioma original. Isso, porém, é praticamente impossível de ser resolvido, e as traduções são as melhores possíveis dentro das limitações impostas pelo meio.
Figurinos, coreografia e estética
As coreografias, criadas por Gabriel Malo, adicionam camadas visuais à narrativa. Embora Sweeney Todd não seja conhecido por números de dança elaborados, a movimentação no palco e o bloqueio são cuidadosamente coreografados para refletir o caos emocional e a violência latente da trama. Os figurinos de Fábio Namatame completam a visão estética, com trajes que capturam a essência vitoriana que é fundamental para o funcionamento do show, misturados com elementos modernos e steampunk que criam uma visão que presta homenagem à produções clássicas de Sweeney Todd enquanto reflete as personalidades e destinos dos personagens.
Uma experiência inesquecível
A trama de Sweeney Todd é perturbadora, sombria, violenta, trágica e em muitos aspectos desagradável, e certamente não é para todos – não é um show para levar crianças, por exemplo, e é conhecido por ser um tanto quanto divisivo entre fãs de teatro musical, muitos dos quais reconhecem os méritos inegáveis de um dos maiores clássicos de Sondheim sem, contudo, se sentirem muito atraídos pelo tema particularmente sombrio da narrativa. Com tudo isso em mente, porém, é inegável que o espetáculo tem um impacto emocional duradouro. A mistura de tragédia, humor negro e uma narrativa profundamente impactante e humana faz com que o público deixe o teatro refletindo sobre temas universais, como justiça, moralidade e as consequências da obsessão. A mensagem de Sondheim, de que a busca por vingança pode consumir e destruir tudo ao redor, é transmitida com clareza e força nesta história.
No geral, a produção de 2025 de Sweeney Todd – O Cruel Barbeiro da Rua Fleet no Teatro Santander é mais um triunfo do teatro musical brasileiro. Com performances estelares de Saulo Vasconcelos e Andreza Massei e uma produção técnica impecável, o espetáculo cabe maravilhosamente bem nos padrões de qualidade no cenário cultural de São Paulo. Para fãs de Sondheim ou para aqueles que desejam experimentar Todd pela primeira vez, é uma excelente oportunidade.
Para os interessados, o musical está em cartaz no Teatro Santander, localizado no complexo JK Iguatemi, com sessões de quinta a domingo até 26 de janeiro de 2025. Os ingressos variam de R$21,18 a R$300,00 e podem ser adquiridos através do site oficial do teatro.