“O Clube das Mulheres de Negócios”(2024) – Invertendo as figuras de poder

O cinema é, entre outras coisas, um espaço de imaginação. A tela permite transformar seres comuns em deuses, o banal no extraordinário e vice-versa, novas possibilidades de organizações sociais, enfim, um sem fim de combinações. Políticamente e socialmente falando, isso é de uma importância tremenda, especialmente quando vivemos justamente uma certa crise de imaginação, onde a possibilidade de mudança soa distante, e só o que temos é um certo gerenciamento da inevitável derrocada do progresso, uma série de paraquedas que jamais podem impedir a queda, só atrasá-la.

Com isso, não procuro dizer que todo filme precise ser um chamamento à luta ou propor soluções para o nosso mundo atual, uma tarefa grande demais para qualquer obra, mas que é necessário pensar um pouco mais sobre as questões propostas de modo a não somente reiterar o mundo existente. O Clube das Mulheres de Negócios é exatamente isso.

No filme dirigido por Anna Muylaert, a estrutura de poder se inverteu: são as mulheres que detém o poder político e econômico. A trama é focada no clube do título e só se preocupa com os acontecimentos dentro desse espaço, mas há inferências sobre o mundo como um todo. Nesse cenário, por exemplo, o Me Too foi um movimento masculino contra assédios cometidos por mulheres, e em certo momento, Jongo (Luis Miranda) comenta que os homens foram ensinados a serem passivos diante dos abusos que sofrem.

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Ou seja, o universo de O Clube das Mulheres de Negócios é exatamente igual ao nosso, mas com o gênero invertido. No lugar de homens idosos em um clube de luxo cercado de funcionárias belas em trajes apertados, temos mulheres idosas cercadas de belos funcionários em trajes apertados. Como de praxe, as mulheres envolvidas nesse clube estão, invariavelmente, envolvidas em algum escândalo, como Norma (Irene Ravache), que quer concorrer a presidência do Brasil, mas encara acusações de corrupção, e Yolanda (Grace Gianoukas) tem diversos processos por assediar sexualmente seus funcionários.

Ou seja, para os desavisados que não prestaram atenção nos 500 anos de história do Brasil, fica o recado: nossas elites são toscas e criminosas! Algo nunca antes exposto no cinema brasileiro ou qualquer outro. Novamente, não acho que todo filme precise de uma mensagem inovadora ou coisa do tipo, mas uma investigação maior sobre as estrutura de poder no centro da narrativa seria extremamente bem vindo. Como está, o roteiro parece que nunca sai do primeiro passo de um reconhecimento político mais profundo.

Mesmo quando executa um movimento mais interessante, O Clube das Mulheres de Negócios logo busca reforçar sua própria obviedade. O final apresenta uma bem vinda revolta de um Brasil primordial contra essas figuras que saquearam da sua terra, onde toda a fortuna dessas mulheres pouco serve contra as patas de uma onça feroz. Um final digno, mas há mais uma cena, onde Jongo e Candinho (Rafael Vitti) fogem do clube de bicicletas e, por alguns segundos, os atores são trocados por atrizes, em um gesto que grita “me entenda!”. Não tem como não entender, mas a falta de imaginação sempre tenta se vender como complexa.

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