MARIAS: Maria Prestes inspira documentário sobre a importância da mulher na luta por igualdade

Documentário Marias retrata o papel fundamental da mulher brasileira para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária

O livro “A guerra não tem rosto de mulher”, da escritora e jornalista bielorrussa, Svetlana Aleksiévitch, ganhadora do prêmio nobel de literatura em 2015, resgata a atuação de milhares de mulheres que lutaram no Exército Vermelho em diferentes frentes durante a Segunda Guerra Mundial. Geralmente, a história de guerras tem como protagonistas homens e suas vitórias e derrotas, no entanto, neste livro arrebatador, a autora nos apresenta a guerra sob outro ângulo. O olhar feminino para um capítulo sangrento e devastador da História, que foi o período da guerra, transforma a narrativa, quase sempre, masculina, e humaniza, ainda mais, a violência e a tragédia.

No documentário MARIAS de Ludmila Curi, arrisco dizer que a premissa é a mesma. A diretora se apoia na perspectiva feminina para narrar a história de luta e resistência no Brasil. Através da trajetória de Maria Prestes, o filme evoca outras vozes importantes do país e reafirma o papel fundamental da mulher brasileira para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, assim como fez Maria Prestes, Maria Bonita, Dilma Rousseff, Marielle Franco, por exemplo. Personagens da História que estão presentes no longa.

Maria Prestes (1930-2022), pseudônimo de Altamira Rodrigues Sobral Prestes, foi uma militante comunista. Nascida em Recife, Maria se engajou ainda muito jovem em movimentos políticos, e durante 40 anos, foi companheira de Luís Carlos Prestes, com quem teve sete filhos e viveu em exílio na cidade de Moscou, na Rússia. O filme, traz o retrato desta mulher que teve uma relação profunda com a luta pela justiça e igualdade na sociedade brasileira.


– A trajetória de Maria Prestes cruzava naturalmente com todas as outras personagens que compõem o filme Marias. Se não fisicamente, como referência, como é o caso da Maria Bonita. Quando me vi com o desafio de apresentá-la como uma mulher clandestina, e que tinha atravessado o último século participando ativamente de grandes momentos históricos, entendi que esse corpo coletivo era capaz não só de representar ela, mas de ampliar a sua imagem. – analisa Ludmila.


Com uma carreira focada em temas políticos e sociais, Ludmila Curi já teve filmes exibidos e premiados em festivais, tanto nacionais quanto internacionais. Entre seus projetos, estão o curta Proibidão, vencedor do Prêmio Visão Social do Festival Entretodos, e o documentário Doutor Magarinos, advogado do morro, premiado no FestCineAmazônia e no Cine Favela Festival.

Leia também: Documentário “Marias” retrata luta de mulheres na política e no cotidiano

Diretora Ludmilla Curi

O documentário, é um road movie que atravessa o Brasil e a Rússia contando a trajetória de Maria Prestes. O filme, ora é narrado pela diretora, ora traz a fala de outras mulheres e até mesmo a encenação da neta de Maria, que carrega o mesmo nome da avó. Por uma escolha da própria Maria Prestes, o longa não possui nenhum registro em imagem e voz da protagonista, o que fez com que o filme sofresse algumas alterações.


– A decisão da Maria mudou completamente a narrativa do filme, mas não as imagens, as locações, as outras personagens. Tudo isso já havia sido filmado, e foi mantido no projeto. A minha narração foi a solução que encontramos para costurar essa história. Sobre os motivos da Maria, não posso responder por ela, mas suponho que, como uma mulher forjada na luta clandestina, ela não se sentiu confortável ou segura com a exposição de sua imagem. Além disso, ela sempre dizia que não assinava contrato com ninguém, nem com o Prestes, ela casou no papel, e nunca se filiou a nenhum partido político oficialmente. – reflete Ludmila.


Em uma cena do filme, o telespectador se depara com uma roda de conversa em torno de uma mesa composta por Marielle Franco, uma das netas da Maria, e outras pessoas ligadas à vereadora. O debate foi gravado na casa de Maria Prestes e na ocasião estavam discutindo as ações de campanha da vereadora que acabara de ser eleita e também falavam da situação do Brasil às vésperas do ano fatídico que foi 2018. Logo após esse trecho, o documentário exibe a saída do corpo de Marielle Franco, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, no dia 14 de março de 2018. O banho de água fria é cruamente sentido pelo público e a revolta e tristeza se faz presente novamente.


– Eu conhecia a Marielle Franco como figura pública, a admirava, e encontrava com ela em manifestações. Essa roda de conversa foi filmada na casa da Maria Prestes, logo após sua eleição para vereadora. Foi uma agenda organizada pela escritora Andreia Prestes Massena, outra neta da Maria que também aparece no filme. Na época, nós corremos para não perder esse evento, adiantamos nossas filmagens para registrar esse encontro de gerações. – lembra a diretora.


O documentário, que tem uma parte gravada na Rússia, cita o livro da escritora bielorrusia, “A guerra não tem rosto de mulher” e relaciona a invisibilidade da mulher na luta por igualdade e resistência diante do patriarcado tanto na Rússia quanto no Brasil em períodos diferentes da História.


– O cinema que me proponho a fazer é essencialmente político, voltado para se conectar com o público, estimular debates e reflexões, e contribuir na construção da memória de fatos e pessoas marginalizadas pelas narrativas dominantes. Acredito que MARIAS pode fortalecer a democracia ao destacar a importância das mulheres na construção de uma sociedade mais justa, tanto na vida cotidiana quanto na política institucional. Como bem coloca a produtora do filme, Mannu Costa, a obra deixa evidente que nada neste país pode acontecer sem a participação das mulheres. Seja porque sustentamos as estruturas, atuamos diretamente ou moldamos novos indivíduos que seguem na luta. – reflete Ludmila.

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