A memória como instrumento de resistência anticolonial: editora Tabla lança livro que reúne textos escritos em meio a guerra.
Diários de Gaza é uma coleção que traz as vozes de artistas, escritores, professores e agentes da cultura que vivem em Gaza e experienciaram (e infelizmente ainda experimentam) a guerra contra o povo de Gaza promovida por Israel desde 7 de outubro de 2023.
O lançamento é o 1º volume da série, intitulado A memória é uma casa indestrutível, e traz textos de 14 autores e um prefácio de Atef Abu Saif — idealizador e organizador da série original em árabe —, que cobrem os primeiros meses do genocídio na Faixa de Gaza. Não se trata de um livro sobre Gaza, mas um livro escrito em Gaza, sobre as pessoas, o lugar e a vida durante a guerra.
“A guerra matou milhares de nós, mas despertou milhões de pessoas no mundo, que agora gritam por nosso direito à pátria. Demoliu nossos lares, mas abriu para nós os lares do mundo que estavam fechados havia décadas. Privou-nos de eletricidade, água e segurança, mas iluminou nossa mais bela imagem diante de nós mesmos e, antes de tudo, diante de nossos bárbaros inimigos. Certa vez, escrevi: ‘Se a guerra soubesse que cria bons poetas, ela atiraria em si mesma’. Agora, digo: ‘A guerra atirou em si mesma’.” Nasser Rabah
A coleção amplifica as vozes palestinas, silenciadas por décadas de expulsão, violência, apartheid e genocídio. Parte da história palestina só pode ser compreendida quando inserida no contexto da experiência colonial. Como em todos os fenômenos coloniais conhecidos, os colonizados sofrem não apenas violências físicas, mas também simbólicas. A memória, portanto, emerge como um dos mais importantes instrumentos de resistência anticolonial.
Diários de Gaza: a memória é uma casa indestrutível é um livro que busca vocalizar e difundir essa memória, representada por um lugar onde a vida palestina é diariamente negada, mas também poderosamente afirmada: Gaza.
A edição brasileira foi organizada por Rafael Domingos Oliveira, a partir da versão original, e traduzida do árabe por Rima Awada Zahra.
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Leia alguns trechos:
“A guerra terminará, os invasores irão embora e nós voltaremos para recolher nossos sonhos da poeira dos edifícios e das fronhas rasgadas dos travesseiros. Buscaremos os restos mortais dos corpos daqueles que amamos; replantaremos o jasmim na porta de casa e nos certificaremos de consertar o cano no teto do banheiro; trabalharemos para pendurar novamente os lustres nas varandas para iluminar o caminho dos passantes e contemplaremos o mar com o olhar de um amante cheio de saudade, contando as ondas uma e outra vez, relembrando quantas ondas perdemos na guerra.”
ATEF ABU SAIF
“Deslocado da minha dor para a dor dos outros, minhas lágrimas me afogam num choro maior e mais amplo, que se estende por toda a Faixa de Gaza: de um norte sangrento a um sul também sangrento; de um leste escaldante a um mar desolado.”
YUSSEF AL-QUDRA
“Lamento informar que nossa vizinhança, que existia antes de mim, não existe mais. Nossa casa, nossos vizinhos e o muro que nos separava deles se foram. A casa desapareceu, e os donos se foram com ela. Todos os meus amigos morreram, e os que sobreviveram esperam por seus entes queridos em tendas, sem comida, bebida ou abrigo adequado, aguardando o momento de se juntarem aos mortos. Estamos penteando os cabelos da desilusão e cantando para ela.”
LAYAN ABU AL-QUMSAN
“O que está acontecendo? Sinto que estamos fora do mundo criado por Deus. O que morre em nós é maior do que um corpo. As almas que nos deixaram amavam a vida, tinham sonhos e lembranças, e hoje estão sendo destruídas e apagadas do registro civil. Somos habitados por mares de lágrimas reprimidas. Não consigo descrever meus sentimentos; um estado de delírio e confusão me domina enquanto ouço as histórias das famílias desalojadas que fazem meu coração sangrar.”
MUSTAFA AL-NABIH
“Estamos perecendo na solidão. Metade do mundo nos ignora, enquanto a outra metade romantiza nossa dor para evitar nos ajudar de forma concreta. Somos humanos comuns. Sentimos frio quando as tempestades arrancam nossas barracas e nos atingem com sua fúria. Temos fome e sede, e entramos em colapso diante da água contaminada.”
SAMAHER AL-KHAZINDAR
“Somos os filhos da pureza, marginalizados no mapa do universo, os loucos de Gaza que devoram fogo e bebem lágrimas entre aqueles que se frustram em nome da humanidade, presos na garganta deste tempo.”
MAHMUD ASSAF
Autores:
Ali Abu Yassin, Atef Abu Saif, Hassan Al-Qatrawi, Iman Natur, Jihan Abu Lachin, Kamal Sobh, Layan Abu Al-Qumsan, Mahmud Assaf, Maryam Qawwach, Mustafa Al-Nabih, Nasser Rabah, Nima Hassan, Rima Mahmud, Samaher Al-Khazindar e Yussef Al-Qudra.
Sobre a tradutora:
Rima Awada Zahra é psicóloga, coordenadora e professora da pós-graduação do curso de Psicologia e Migração da PUC-MG, além de consultora em educação e saúde mental. É autora e coautora de obras que reúnem experiências nas áreas da migração, educação, e saúde mental com população em situação de vulnerabilidade social e que são reconhecidos por entidades como a FNLIJ, a Biblioteca nacional, e selecionados para o Clube de Leitura dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Dados do livro:
Título: Diários de Gaza: a memória é uma casa indestrutível
Editora: Tabla
Organizadores: Atef Abu Saif, Abd al-Salam Atari e Rafael Domingos Oliveira
Autor: Vários autores
Tradução: Rima Awada Zahra
Projeto Gráfico: Marcelo Pereira – Tecnopop
Número de páginas: 136
Assunto: Literatura árabe
Sobre a editora Tabla:
A editora Tabla tem como foco a publicação de autores do Oriente Médio e do Norte da África, estejam eles em sua terra ou na diáspora. O objetivo é dar voz a literaturas sub representadas no Brasil, estabelecendo pontes diretas num eixo sul-sul. O catálogo busca, portanto, representar a diversidade cultural, étnica, linguística e religiosa dessa parte do globo, a fim de combater preconceitos e estereótipos tão difundidos por aqui.
Para comprar o livro, acesse: https://editoratabla.com.br/catalogo/diarios-de-gaza-a-memoria-e-uma-casa-indestrutivel-vol-1/