6 trechos inéditos de “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus

A pesquisadora Verônica Flôr cedeu ao ICL Notícias trechos que não entraram em ‘Quarto de despejo’, o principal e mais conhecido livro da escritora Carolina Maria de Jesus. A obra “Quarto de Despejo: diário de uma favelada”, mostra a escritora buscando estratégias de sobrevivência, contando o dinheiro quase todos os dias no intuito de comprar alimentos. Quando conseguia comprar arroz, feijão e carne, conforme conta, era um dia de festa, via a felicidade estampada no rosto de cada filho.

O livro, lançado em 1960, foi um sucesso imediato. Vendeu 10 mil exemplares na primeira semana. Teve três tiragens de cara, somando 100 mil cópias, e foi traduzido em pelo menos 13 idiomas.

Segundo a pesquisadora Verônica, apenas cerca de 15,9% do conteúdo dos diários de Carolina foram usados no livro “Quarto de despejo”. Mas ela comparou os dois textos e marcou as alterações que o jornalista, ou a editora, fizeram no original.

Além de suprimir muito conteúdo, palavras mais eruditas foram substituídas por outras mais populares. A forma de escrever de Carolina, usando “tirou-me”, “levou-me” também foram substituídos por formas menos rebuscadas. É como se quisessem dizer que a erudição da autora não combinava com a vida dura e o lugar humilde onde ela morava.

Leia também: Carolina de Jesus recebe homenagem nos Estados Unidos 50 anos depois da primeira tradução

Leia os trechos inéditos aqui:

O escritor deve pensar em um livro e escrever. Vai escrevendo banalidade até escrever uma obra digna de menção honrosa. Quem escreve não deve ter preguiça. Deve relatar na escrita tudo o que sente. Ser sincero”.

“Os livros registram e as gerações vindouras vão tomando conhecimento. Por isso é melhor sermos bons. Creio que o jovem que quer escrever não vai encontrar obstáculo igual a mim que sou pobre, preta e feia. Ele tem um trator que lhe abre as estradas. — O dinheiro! Mas eu tenho lido tantas banalidades que os ricos escrevem. Quem é rico pensa e concretiza o seu sonho. Para os escritores ricos, que pagam os nossos editores, não há falta de papel. Só há falta de papel para o pobre, para o preto. Negro não deve ter vocação. Vocação de negro é beber pinga e lavar roupas da sinhá.”

“Eu gosto muito de livros. Quando alguém me diz que vai escrever, o futuro escritor fica morando no meu cérebro. Se eu fosse rica, eu já teria escrito muitos livros porque o dinheiro afasta os abrolhos.”

“Eu tinha vindo do interior, era caipira, não sabia o que queria dizer poetisa. A única coisa que eu recordo, quando me disseram que eu era poetisa, é que o meu coração batia dentro do meu peito parecendo castanholas. Quando alguém me olhava e dizia: ela é poetisa!, eu transpirava e ficava pensando — poetisa…”.

“Eu estava louca de vontade de andar de bonde. Mas eu não sabia como havia de fazer para andar de bonde. Pensava: deve ser gostoso andar naquilo! Parava em qualquer lugar e dava o sinal. O bonde passava. — E eu gritava: Vocês não param o bonde para mim porque eu sou preta? Pensam que eu não vou pagar esta porcaria? Eu tenho dinheiro! Olha o dinheiro aqui!”.

“Não pensei que eu ia degradar até ser atirada no quarto de despejo. E comer as coisas do lixo. (…) Cheguei na favela. João já havia retornado da feira. Comprei 1 quilo e meio de arroz e meio de feijão. O João foi comprar meio litro de óleo. Sobrou 50 centavos. Amanhã não vai ter café. Preciso anunciar com antecedência para não haver choro das crianças.”

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