Lispectorante (2024): filme transforma casa em que Clarice Lispector viveu no Recife em experiência psicodélica 

A experiência de assistir Lispectorante – e a palavra sobre ver esse filme é exatamente essa, uma experiência – começa quando vemos Marcélia Cartaxo nas telas em um filme que cita a grande escritora Clarice Lispector. 

Instantaneamente, nos lembramos da Macabéa de A Hora da Estrela, filme clássico de 1985, de Suzana Amaral, baseado na obra de Clarice. Entretanto, ao contrário da tímida Macabéa, quase silenciosa e que não sabia seu lugar no mundo, nessa história teremos uma Marcélia interpretando um personagem oposto, talvez uma Macabéa depois da epifania caso não tivesse sido fatalmente atropelada. 

Lispecorante conta a história de Glória Hartman, uma mulher madura que, diante de uma separação, volta para a casa onde passou a infância. Passando por uma crise existencial e financeira, ela retorna exatamente para o bairro em que viveu: o bairro da Boa Vista, em Recife, exatamente do lado da casa onde Clarice Lispector viveu até os 13 anos. Hoje abandonado, o bairro respira a nostalgia do seu passado e recebe turistas que desejam conhecer a estátua de Clarice e as curiosidades do bairro. 

Voltando para Glória, temos a personagem inserida dentro desse cenário nostálgico, em que ela começa a demonstrar interesse por aquela casa e descobre nela uma espécie de fenda ou portal para outra dimensão (tempo? sonho?) em que um mundo mágico e fantástico é desperto. 

A narrativa, então, oscila entre estes dois espaços distintos: de um lado, um mundo real em que Glória passa a lidar com problemas com sua casa após a morte da sua tia, enquanto engata uma relação com um jovem hippie que conhece no bairro. De outro, um mundo fantástico em que uma espécie de buraco de supernova abriga as mais estranhas narrativas em um espaço que ela mesma imaginou: uma banca de jornais que contém uma série de aventuras e histórias. 

Leia também: Casa em que Clarice Lispector viveu está em ruínas no Recife

O mais gostoso deste filme é ver como o cinema pode ser uma grande diversão, um passeio lúdico e criativo por um mundo que aparentemente está em decadência. O bairro onde Clarice viveu, então, passa a ser um lugar que “expectora” suas dores, seu descaso, seus catarros, seus males e suas dores e os transforma em luzes, sons e festas. Sem contar que o mundo, pelo menos ali, não precisa seguir a lógica tradicional da passagem de tempo e, assim, Glória pode viver quantos universos simultâneos quiser e puder.

Senti no público uma certa estranheza e incompreensão, algo que tinha visto antes quando assisti Holy Motors no cinema, mas nesse caso não vejo tanta razão: para quem quiser, há um fio narrativo tradicional a ser seguido, apesar das suas divertidas e emocionantes loucuras. 

No fim, o mais bonito é ver Lispectorante como uma grande homenagem e celebração ao cinema. Ver Marcélia com Clarice novamente, ver o Hotel onde esteve Carmen Miranda, ver a casa onde Clarice viveu virar um baile de luzes ao invés do abandono cotidiano, tudo isso conta muito da nossa história, mas sem a necessidade de ser sério, crítico. É importante, mas dessa vez não foi. Como diz Foucault: não é preciso ser triste para ser militante. 

Lispectorante é uma palavra inventada, mistura um nome e um remédio. No filme, ele é o nome de uma banda de metal que nem existe mais. É tanta diversidade na nossa cultura que chega a dar alegria. E nesse filme é só isso que foi possível sentir.

Veja o trailer do filme aqui:

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