A presença de Speak no Evil no Festival do Rio 2024 é curiosa, pois, recentemente, os cinemas brasileiros exibiram Não Fale o Mal, a versão americana do filme de Christian Tafdrup, estrelada por James McAvoy, que é bem mais palatável do que a obra original, como não poderia deixar de ser. Não que o remake abra mão do desconforto, elemento vital à narrativa, mas é inegável a remoção dos aspectos mais chocantes e a inclusão de certas justificativas para deixar os personagens mais “redondos”.
Por exemplo, a crise de masculinidade de Ben (Scoot Macnairy) no remake é explicada por conta de uma infidelidade da esposa. Já Bjørn (Morten Burian) não tem uma resposta tão fácil para o seu ennui, que o torna apático aos acontecimentos da vida. Enquanto sua esposa, Louise (Sidsel Siem Koch), recebe convidados com uma polidez burocrática, ele se distancia, olhando o horizonte como se buscasse algo, ou alguém.
Essa busca parece encontrar seu objeto de desejo com a chegada de Patrick (Fedja van Huêt), um homem que parece ser tudo o que Bjørn não é: engraçado, ativo, aventureiro e sem medo de fazer piadas às custas dos outros. Mais ainda, ele parece admirar Bjørn, algo que o personagem estranha, mas que também agrada ao seu ego.
Assim, a viagem de Bjørn e sua família para a casa de Patrick, composta por Karin (Karina Smulders) e o silencioso Abel (Marius Damslev), é uma tentativa de Bjørn de trazer um pouco de animação à sua vida pequeno-burguesa. Mas, claro, Patrick e Karin têm outros objetivos, como a trilha sonora sinistra deixa bem claro, marcando sua presença até nas cenas mais calmas.
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Speak no Evil extrai o máximo de desconforto possível do encontro entre essas duas famílias, testando não só a capacidade dos personagens de serem levados a uma situação terrível em nome da educação. As tensões começam pequenas: Louise, vegetariana, é incentivada a comer um pedaço de javali. Não incentivada de maneira violenta, mas de forma polida: “Poxa, vão mesmo fazer essa desfeita?”. Logo, no entanto, as tensões escalam, como na maneira violenta com que Patrick trata Abel e em uma série de pequenos eventos que deixam claro: algo está errado.
Algo que Louise percebe, mas Bjørn não vê, ou não quer ver, devido ao seu encanto pela masculinidade de Patrick. Em uma das cenas engraçadas do filme, os dois homens liberam suas frustrações gritando para os céus em uma pedreira, em um momento que lembra várias palestras sobre masculinidade existentes por aí.
Speak no Evil funciona quase como uma fábula sombria, com lobos em pele de cordeiro sutilmente revelando sua verdadeira natureza, enquanto os cordeiros tentam se convencer de que sua gentileza será sua salvação. Há até mesmo uma lição de moral. Após uma violência indescritível, uma pergunta ecoa no ar: “Por que vocês fizeram isso?”, e a resposta é simples: “Porque vocês deixaram”.
Texto de cobertura do Festival do Rio 2024