Tornei de Luanda um kota, de Ricardo Aleixo, fecha um ciclo iniciado, em 2015, com o livro Impossível como nunca ter tido um rosto, ao qual se seguiram Antiboi, de 2017, Extraquadro, de 2022, e Diário da encruza, de 2023. O que aproxima esses títulos é a tentativa de tematização do contexto social e político brasileiro, sempre de uma perspectiva que funde à metalinguagem e à experimentação técnico-formal a pesquisa de cadências e timbres que remetem às poéticas africanas e afro-diaspóricas.
A ideia do novo livro surgiu em Luanda, no ano passado, na primeira ida do poeta ao continente africano:
“Foi lá que eu me assumi plenamente como um “kota”, isto é, um velho, na acepção conferida pela cultura angolana ao envelhecimento. Um kota é alguém respeitado pela coletividade, não um ser descartável, como ocorre no Brasil e em muitos outros países em que predomina a praga do etarismo. Primeiro me ocorreu o título, que eu achei, num primeiro momento, que apontava para um livro de crônicas. Até que surgiu o poema-título, e logo outros, num processo de composição que durou cerca de um ano e meio”.
É Importante dizer que este novo livro nasce num momento que o poeta considera o mais criativo de toda a sua existência:
“Sinto-me como Goethe, que, aos 68 anos, durante uma viagem, vê no céu o raro fenômeno meteorológico conhecido como ‘arco-íris branco’ e toma essa visão como o prenúncio de uma “nova puberdade” – e, com efeito, o poeta viverá uma fase de grande criatividade, até morrer, aos 83 anos. No meu caso, tenho afirmado, já há alguns anos, que ainda não fiz o meu melhor como artista e escritor”.
Merecem atenção especial os poemas “Ela gosta muito de tudo o que gosta”, dedicado à sua filha Flora, e ‘Namoraria’, que lida com a questão da orientação sexual numa sociedade conservadora como a brasileira. Tornei de Luanda um kota, para Ricardo Aleixo, “é o meu jeito de, nestes tempos sombrios, acender alguma luz, provocar alguma reflexão, tentar trocar a desesperança pelo ‘princípio-esperança’ de que falava o filósofo alemão Ernst Bloch ou, para afirmar, cantando em bom brasileiro, como cantaram Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, que ‘o sol há de brilhar mais uma vez’.”
Leia também: Entre palavra e imagem: “A água é uma máquina do tempo”, de Aline Motta
Nesse novo livro, Ricardo Aleixo volta a responder pela confecção da imageria (capa e ilustrações), tal como nos livros de 2015, 2022 e 23, que serve de base para a elaboração do projeto gráfico, outra vez a cargo do designer e amigo do poeta, Mário Vinícius, a quem ele chama, carinhosa e respeitosamente, de maestro. Segundo Aleixo: “Mário sempre me surpreende: ele se mostra atento a cada filigrana de cada poema, num tipo de resposta criativa que tensiona ainda mais a relação palavra/imagem que estrutura o espaço da página”.
Tornei de Luanda um kota é a mais nova parceria do selo LIRA/Laboratório Interartes Ricardo Aleixo, com a editora e gráfica Impressões de Minas, considerada pelo poeta um dos espaços de produção gráfica mais sofisticados e ousados do Brasil.
Quem é Ricardo Aleixo?
Belo-horizontino de 1960, o poeta, escritor, artista intermídia e pesquisador de Literaturas, outras artes e mídias, Ricardo Aleixo recebeu da UFMG, em 2021, o título de Notório Saber, equivalente ao grau de doutor. Tem 20 livros publicados. Suas obras mesclam poesia, prosa ficcional, filosofia, etnopoética, antropologia, história, música, radioarte, artes visuais, vídeo, dança, teatro, performance e estudos urbanos.
Apresentou, na 35ª Bienal de SP, o Ciclo de performances Dendorí. Atualmente é professor visitante no Instituto de Letras da UFBA, em Salvador, e prepara-se para passar uma longa temporada em Nova York. Conquistou, em 2023, os prêmios Mestras e Mestres das Artes e Alceu Amoroso Lima – Poesia e Liberdade, outorgados, respectivamente, pela Funarte e por Universidade Candido Mendes/Centro Alceu Amoroso Lima Para a Liberdade, e foi finalista do Prêmio Oceanos com o livro Diário da Encruza (LIRA/Segundo Selo). Ocupa a cadeira nº 31 da Academia Mineira de Letras.
Ficha Técnica:
Tornei de Luanda um kota
Autor: Ricardo Aleixo
Projeto gráfico: Mário Vinícius
Impressões de Minas | LIRA/Laboratório Interartes Ricardo Aleixo (1ª edição)
1×1 cor
Formato: 12,5 x 21,6 cm
92 páginas
ISBN 978-65-86729-96-2