7 melhores poemas de Fernanda Young 

Fernanda Young (1970-2019) foi atriz, roteirista, apresentadora, diretora e escritora carioca. Trabalhou como apresentadora e atriz nos canais GNT e Rede Globo e atuou, ao lado do marido, como roteirista de várias séries e filmes, como Os Normais, Os Aspones e Shippados. Possui mais de 10 livros publicados entre romances, contos e poesias. Além disso, escreveu crônicas para revistas e jornais. Estão entre alguns dos títulos: Vergonha dos Pés (1996), A Sombra das Vossas Asas (1997), Dores do amor romântico (2005), Tudo o que você não soube (2007), As pessoas do livro (2000) e A mão esquerda de Vênus (2016).

Leia também: Os 8 melhores poemas de Dores do amor romântico, de Fernanda Young

“A língua portuguesa nunca me deixou desistir. Sou uma romancista que escreve roteiros, que atua caso precise contar uma história, mas que começou escrevendo poemas, na verdade, devido à dislexia”. Também por essa razão que o leitor encontrará, nas páginas do livro, essa devoção amorosa pela palavra e pela estrutura própria do poema. “Poesia é mesmo uma estrutura cruel, visto que, se não conseguimos ler corretamente um poema, ele não fará sentido algum. Há versos que, sozinhos, contam páginas e páginas de uma história; outros encerram, na medida cirúrgica, exatamente o que querem dizer. É como se um romance coubesse ali”, afirma a autora, que reúne no livro poemas criados nos últimos dez anos.” (sinopse do livro A mão esquerda de Vênus)

Com uma personalidade ousada e irreverente, não poupava críticas a qualquer assunto. Retratava a vida, as desilusões e as adversidades com uma linguagem afiada e provocadora. Variados temas estavam presentes em seus textos: feminismo, sentimentos, sexo e política. Em 2019, todos foram surpreendidos com sua morte aos 49 anos. Após três meses de seu falecimento, o livro Pós-F: Para além do masculino e feminino (2018) ganhou o Prêmio Jabuti 2019, na categoria crônica.
Já o documentário “Fernanda Young – Foge-me ao Controle”, que conta com a direção de Susanna Lira e roteiro de Beto e Bruno Passeri, estreará nos cinemas este ano.

Confira alguns poemas:

Sou uma casa completa.
Tenho recantos em minhas
Dobras, lareira e um belo
Jardim de tulipas negras.

Também sou uma caravela
Que corre ruidosa e
Escorregadia sobre os oceanos
Que conduzem a novos
Continentes.

E uma caneta macia de um
Garçom orgulhoso; ele gosta
De ouvir: – Que caneta boa!
Quando assinam a conta.

Posso ser os elásticos de
Pompom nas chiquinhas de
Uma menina que chora,
Chata, no pátio ao lado.

Ou um simples copo de água
Oferecido a alguém que
Trouxe uma pesada
Encomenda.

Quiçá sou eu, sim, eu.
Eu mesma. Sofisticada e
Demencial. Essa que fala
Demais e diz que te ama,
Que não quer ir, e não quer
Ficar aqui.

Esse aqui que vaga e
Ressente.

Às vezes sinto vontade de faltar com a verdade,
Ser cínica, mas nunca vil,
nem mesmo mentirosa.

Omissa?
Não, omitir é para os fracos!
Talvez irônica,
Dúbia.
Charmosa, claro.

Eu contaria um pouco aqui,
Um pouco ali.
Com o tom certo, bem calmo
Ou não – dependendo para quem
Conto.

Os amantes – homens ou mulheres – não me cobrariam tanto,
E eu poderia ter quantos eu quisesse.

Mas é que a verdade é excitante, máscula,
Como uma espada.

Aqueles que gostam da lâmina, os poucos, irão lambê-la.
E eu gosto de ser lambida pela coragem.
A língua que lambe pode se ferir,
Assim como quem diz a verdade.

Por isso decidi contá-la.

Eu bordo o labirinto quente das minhas veias.
Repito as palavras como mantras, nas voltas que a agulha faz.
Por vezes me furo e não o pano, gosto de levar esse susto.
É a digital de sangue que deixo ali: minhas lágrimas, cervejas, rompantes.
Se me revelo expondo as fraquezas, confusão, raiva.
Não me constranjo.
Há muito cansei de
Desculpar-me.
Sou essa, e aceito não ser querida.
Se me arrependo de algo,
Digo aqui e bordarei:
Foi ter saído de mim,
Para deixar alguns entrarem.

Só há uma ideia do que a minha natureza
entende como paixão.
O corpo reage assim: taquicardíaco,
etílico, esfomeado.
Na ansiedade torno-me aquela que
não suporto,
a mesma que esperava na escada,
querendo ser levada
para algum lugar, longe dali.
O que aguardo é ficar longe
dessa menina que está sentada nos
degraus frios da escada.
E nas horas em que o mármore branco,
dessas horas, horas de uma tabela tonal
cinza-rato, gelam meu sexo, minha pele,
fico em dúvida se quero,
realmente, que o outro chegue.
Duvidar do que desejo angustia tanto,
a ponto de me fazer fugir.
E quando decido ir, ameaço,
testando aquele de quem espero ter atenção.
Deixando tudo mais tenso,
nervoso,
excitante.
Então, molhada eu fico, ainda ali
nos tais degraus de ansiedade,
lisos e frios,
de mármore-medo.

Queria dormir.
Vivo na conjugação do
Eu queria dormir,
Eu queria descansar,
Eu queria dormir
Com você,
Eu queria viajar
Com você.
Eu sou o sujeito da
Conjugação do queria.
E é claro que não devia.
Mas devia também.
É uma conjugação minha.
Eu-queria-e-não-devia.
Eu queria, e como não posso,
Fiz algo que não devia.
Então devia desistir,
Queria.

Queria ser simples. De tudo que já quis,
juro, esse me parece o mais disparatado
dos desejos. De todas as ideias de
merda que tive, essa é a que mais fere.
Queria não me importar se o Noturno número dois
que escuto é mal interpretado. Porque
afinal não entendo de piano e não posso
dizer que essa é uma merda de uma
interpretação. Mas eu sei que é uma
merda e isso me fere os nervos mais que
os ouvidos. Fere tanto quanto a ideia de
ser simples. Queria ser simples a ponto
de ser querida. Querida por ser querida e
não por ser especial. O especial é
complexo. Raro. Intratável em sua
ausência de singeleza. Porque eu poderia
anunciar que sou delicada, e implorar sem
implorar, por cuidados. Queria ser simples
e ser cuidada com esmero. Porque a minha
delicada simplicidade iria sugerir atenção.
A leveza da simplicidade me traria sopas,
bombons, margaridas. Mas eu ganhei fama
e minha criada acaba de trazer um petisco
que só vende em uma padaria bem longe.

Fazer carinho em si mesmo
É insatisfatório,
Pois não sabemos o que sentir:
O ser tocado ou o tocar.
Já no erógeno
Onde é mexido há mais do
Que uma pessoa,
Não apenas o eu
Que manipula a mão.
Vencemos a inescrutável
Solidão,
Eu sou você, você é ora
Você, ora outro, ora ela
Entre as minhas pernas,
Na boca,
Nos seios,
E aonde mais houver
Fissuras.

Veja o trailer do documentário:

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