“O Indomável João Carlos Martins: Entre som e silêncio” e a reinvenção através da arte

O que se pode esperar da biografia definitiva sobre João Carlos Martins é sobretudo coragem e resiliência. Através das páginas nos deparamos com narrativas contextualizadas em diferentes momentos históricos de grande relevância para a humanidade juntamente com a história do pianista e também do ser humano que é João Carlos Martins, desde o menino que se refugiou das tristezas nas teclas do piano até sua apoteose em um músico virtuoso.


O Indomável João Carlos Martins Entre som e silêncio, biografia escrita pelo jornalista Jamil Chade, publicada pela editora Record em 2024 teve seu lançamento em junho, com um emocionante concerto na Sala São Paulo. Sua leitura nos permite conhecer além de alguns dos pontos de destaque de sua trajetória como músico, alguns momentos íntimos de sua vida, seu relacionamento com os pais, seus casamentos, seus filhos e como cada situação contribuiu para que ele se tornasse quem é hoje.


João transformou o piano de armário em sua trincheira. Seu abrigo seguro. Um terreno em que parecia exercer controle e onde não era julgado nem oprimido. Quando botou pela primeira vez as mãos sobre o piano, João se deu conta de que era seu lugar no mundo. E foi notado.


O livro divide-se em 12 capítulos, cada um deles possui um Qr code através do qual é possível acessar vídeos com trechos de apresentações e gravações marcantes, como a rara gravação feita pelo seu pai com um gravador de fios de aço, pouco tempo após iniciar seus estudos no piano, quando era um menino de 10 anos de idade, na qual interpreta A Dança dos Gnomos – S. 145 de Liszt e o Improviso nº2 em Mi Bemol Maior – Opus 90 nª2 de Schubert. Porém este é apenas um pequeno spoiler do que poderá ser encontrado.


Sem deixar de lado a história e a política, o livro inicia-se com a fuga do pianista de uma Cuba sob o poder de Fidel Castro, aos seus 20 anos, após uma viagem para tocar no principal teatro de Havana. De modo icônico, sua fuga teve como destino os Estados Unidos, onde também apresentou-se com distinção. Tudo isto em plena Guerra Fria. Também é possível conhecer mais sobre seu trabalho como Ministro da Cultura durante o regime militar.


Há ainda suas vivências de infância, a relação com o pai e as expectativas depositadas no menino, os conflitos com alguns colegas de escola, os problemas de saúde, as convulsões, as cirurgias.
Conta-se sobre a criança prodígio, que não apenas estudava as partituras, mas debruçava-se em estudos sobre a personalidade de seus compositores antes de interpretá-las, sem deixar obviamente de dar a elas o seu toque especial, a sua emoção.


Inútil, portanto, ignorar os acontecimentos e apenas seguir o que dizia a partitura. Uma interpretação mais arrojada ou mais serena deveria estar em sintonia com o percurso de vida e com o espírito do compositor. João não queria apenas executar as notas que Bach tinha escrito, mas sua vida. Desejava, acima de tudo, contar uma história sobre ele.

Também é possível ler os relatos das primeiras vezes em que o músico sentiu um movimento involuntário nas mãos, que durante certo tempo não os relacionou com nenhuma doença e apenas adotava estratégias que o permitissem evitar que isto ocorresse, como dormir durante a tarde e despertar pouco antes de cada concerto.

Leia Também: A incrível relação entre música e literatura: um êxtase transcendental


Tais movimentos, entretanto, fariam com que o pianista cogitasse abandonar sua carreira com somente 30 anos de idade. Para ele, uma vida sem música seria uma grande angústia, porém, felizmente, seu tempo longe dos palcos foi somente uma pausa, assim como as pausas presentes na própria música, que não são um silêncio vazio de sentido, possuem um propósito, um efeito dramático.


Durante muitos momentos de sua vida João Carlos Martins precisou afastar-se da música, porém isso sempre foi algo muito doloroso para o pianista, uma das maneiras que ele encontrou para manter-se nesta área foi tornar-se maestro, novamente ele persistiu em busca de fazer o que mais amava.


Encontramos, nesta biografia, uma história de resiliência, de como a arte pode ser um abrigo que não nos permite sucumbir às adversidades da vida, de como ela pode dar sentido à nossa existência. O amor e a devoção de João Carlos Martins pela música fizeram com que ele se reinventasse inúmeras vezes, a música flui de si e não há nada que o pare.


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