Livro de Agualusa revisita a história angolana do século 17 e recupera a figura da Rainha Ginga

O livro “A rainha Ginga: (E de como os africanos inventaram o mundo)”, do escritor angolano José Eduardo Agualusa, publicado pelo selo Tusquets da Editora Planeta do Brasil, em 2023, faz parte dos títulos de romances históricos do autor. Entre os diversos livros, traduzidos para mais de 30 idiomas, destacam-se: O vendedor de passados, premiado pelo jornal inglês The Independent e adaptado para o cinema brasileiro, Nação crioula, As mulheres do meu pai, Teoria geral do esquecimento, A sociedade dos sonhadores involuntários, Os vivos e os outros e O terrorista elegante e outras histórias, em parceria com o escritor moçambicano Mia Couto.

Leia também: “As mulheres do meu pai”: José Eduardo Agualusa retrata viagem por países da África Austral

Para escrever o romance, Agualusa recorreu a diversas obras, trabalhos acadêmicos, textos de divulgação histórica e testemunhos da época, como demonstra a bibliografia ao final do livro. Com o trabalho de investigação, insere personagens e acontecimentos históricos para compor a narrativa ficcional. Ao retomar o período colonial angolano, ele resgata a história do país a partir de uma perspectiva diferente da versão oficial. Para isso, cria um narrador que não é europeu nem africano, mas um brasileiro – o padre Francisco José da Santa Cruz, pernambucano, filho de uma índia e de um mulato. Dessa forma, pode-se supor que o autor investe num narrador que seja mais imparcial, transitando entre esses dois mundos distintos.

Por intermédio do governador português, o padre começa a trabalhar para a Rainha Ginga como secretário e tradutor. No decorrer da narrativa, entretanto, a visão do personagem em relação ao continente africano vai sendo desmistificada e acaba se distanciando das práticas e funções religiosas em meio a guerra e outros conflitos.

Ginga ou Nzinga Mbandi (Ngola, título em quimbundo que deu origem ao nome do país em que viveu) foi o maior símbolo de resistência contra a ocupação europeia, tornando-se uma das maiores governantes da história da África. Ela é retratada, no entanto, como uma personagem histórica complexa e, até mesmo, contraditória. Para poder ocupar o poder, precisava demonstrar força e resistência, já que sua condição social era duplamente estigmatizada tanto por ser mulher quanto por ser negra. Supostamente teria matado seu irmão para assumir o trono e, ao mesmo tempo que condenava os portugueses pela escravidão, detinha escravizados no seu reino. Ela também pediu para ser batizada na Igreja Católica, ganhando o nome de Ana de Souza, com intuito de facilitar seu ingresso a esse mundo na busca de mais poder. Inclusive, vestia-se de homem quando ia para guerra, exigindo que fosse chamada de “rei”, e mantinha uma espécie de harém com os homens sendo obrigados a se vestirem de mulher.

“A primeira vez que a vi, a Ginga olhava para o mar. Vestia ricos panos e estava ornada de belas joias de ouro no pescoço e de sonoras malungas de prata e de cobre nos braços e calcanhares. Era uma mulher pequena, escorrida de carnes e, no geral, sem muita existência, não fosse pelo aparato com que trajava e pela larga corte de mucamas e de homens de armas a abraçá-la.” (2023, p. 11)

O leitor pode esperar, num primeiro momento, que a narrativa aborde como personagem central quem dá título ao livro, porém a Rainha Ginga é pouco evidenciada. Em alguns momentos, ela é apenas mencionada pelo narrador. Embora a narrativa revele características, certos comportamentos e algumas ações da soberana dos reinos de Ndongo e da Matamba, ela não aprofunda e nem se detém na sua vida. Isso depende de como o romance é construído e se organiza, mas é possível perceber que sua imagem permanece intocada: uma figura histórica mítica que continua habitando, especialmente, o imaginário da população angolana.

Especificações:

Editorial: Tusquets Editores
Tema: Romance literário
Número de páginas: 208

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