A morte de Carl Andre e o esquecimento de sua acusação pela morte de Ana Mendieta

No começo deste ano, o artista plástico Carl Andre morreu aos 88 anos. Considerado um dos grandes nomes do minimalismo, o escultor passou seus últimos anos de vida internado em um hospício, em Manhattan, e teve sua morte comunicada pela galeria Paula Cooper Gallery, em Nova York, responsável pela sua última exposição solo em 2022.

Sempre que um grande artista morre, uma ode as suas produções ressurgem. Carl Andre realmente foi um expoente em sua linguagem artística, utilizando suportes não convencionais, como materiais industriais e naturais sem qualquer intervenção, numa espécie de compromisso com a “matéria pura”.

Além disso, o artista abriu caminhos para que outras criações pudessem explorar esse modo de produção, um movimento caracterizado pela simplicidade das formas geométricas, sob um olhar especial do que hoje chamamos de arte interativa.

Equivalent VIII, escultura de Carl Andre. A obra consiste em 120 tijolos dispostos em duas camadas, compondo um retângulo de 6mx10m.

O MISTÉRIO DA MORTE DE ANA MENDIETA

No entanto, a sua carreira ficou manchada pela acusação de morte de sua terceira esposa, a também artista Ana Mendieta. Em 8 de novembro de 1985, Mendieta caiu do 34° andar do prédio onde morava com seu marido, Carl Andre. Testemunhas disseram que ouviram o casal tendo uma discussão e, logo em seguida, gritos vindos do apartamento.

Ao ligar para a emergência, o artista confirmou que ela caiu do prédio após ficar muito alterada com a briga, “Minha esposa cometeu suicídio”, disse ele. “Minha esposa é uma artista, e eu sou um artista, e tivemos uma briga sobre o fato de eu estar mais – uh – exposto ao público do que ela, e ela foi para o quarto, e eu fui atrás dela, e ela saiu pela janela.”

Porém, para a polícia, Carl Andre deu outra versão, dizendo que após a briga Mendieta havia ido dormir sozinha e, só depois, viu a janela do quarto aberta e não a encontrou mais. O artista foi acusado pelo homicídio, chegou a ser preso, mas foi absolvido da acusação anos depois após um julgamento sem júri.

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ANA MENDIETA: A SUBVERSÃO FEMININA EM FORMA DE ARTE

Ana Mendieta, artista performer cubana, traz como tema para suas obras questões acerca do feminismo, a ligação do feminino com a natureza e migração. Pioneira em sua arte, suas performances políticas utilizando materiais como carvão, fogo e lama, eram também gravadas e expostas através de filmes autorais.

Ana Mendieta, em foto dos anos 80 — Foto: Divulgação/Galeria da artista/Galerie Lelong & Co.

Diferentemente de Carl Andre, Mendieta teve o seu apogeu roubado, sua morte atravessou o seu processo de consolidação na carreira como artista. Curiosamente, várias de suas obras possuíam como material o sangue (que ela coletava em açougues), desenhando silhuetas femininas, com braços erguidos e pernas estendidas, e escritos nas paredes com a ideia de empregar uma discussão sobre a violência contra a mulher.

Reprodução de vídeo performance de Ana Mendieta em exposição no Sesc Pompeia — Foto: © Mendieta, Ana/ AUTVIS, Brasil, 2023

A morte da artista não foi esquecida e segue sendo tema de manifestações feministas no mundo da arte. A exemplo, em 1992, numa tentativa de ressurgir pós escândalo, Carl Andre em uma exposição do seu trabalho feita por Guggenheim de Nova Iorque, teve o espaço ocupado por cerca de 500 manifestantes que fizeram piquetes na exposição, gritando “Onde está Ana Mendieta?”.

Para a época, discussões sobre feminicídio não tinham força como hoje e, rememorar este caso em busca de uma reparação pelo reconhecimento da vida e obra de Mandieta é um grito feminino de justiça pela história das mulheres na arte. Carl Andre, mesmo com a sutileza que o minimalismo trouxe para sua carreira, teve sua vida assombrada pelo caso e morreu esquecido em um hospício, mas foi Ana Mandieta que perdeu sua vida por sentir, fazer e comunicar sua subjetividade a frente de seu tempo. Não nos esqueçamos!

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