Eu conheci Rita Lee sem conhecer Rita Lee, porque essa entidade está e esteve presente na casa de todo brasileiro; seja quando começava o primeiro verso sobre levar uma vida sossegada, regada de sombra e água fresca. Seja num final de festa através de abraços bêbados ecoando que os jardins da babilônia foram suspensos ou sobre estar no escurinho do cinema chupando drops de anis. Ou ligando a televisão e uma música falando sobre uma tal erva venenosa ser pior do que cobra cascavel ou ainda fazendo aquele rango e lançando todo esse perfume.
Rita é minha cultura antes de eu saber o que é cultura. Antes de eu saber o que significava a palavra minha. Antes mesmo de eu ser eu, meu destino beberia da essência de uma das mulheres mais autênticas que este país já viu. E olha que temos muitas por aqui, são tantas que nem couberam naquela música que ela fala sobre todas as mulheres do mundo; do nosso mundo, Brasil.
Perdi, perdemos, Rita Lee Jones em maio de dois mil e vinte e três, pouco antes da sua nova data de aniversário – dia vinte e dois de maio. Originalmente nascida dia trinta e um de dezembro, ela quis uma data para chamar de sua, só sua, afinal, a virada do ano novo é assunto demais para assimilar, até para Rita Lee, sim, até para ela. Mas desculpa, Rita, essa data não é só sua, ela é minha também.
Quarenta e seis anos depois de você nascer, eu nascia no dia vinte e dois de maio e eu sempre gostei dessa data, porque meu avô me dizia que era dois patinhos na lagoa e eu pensava que ninguém tinha dois patinhos livres assim como eu. Eu sempre gostei do dia vinte e dois de maio, mas agora eu amo vinte e dois de maio. Eu amo porque eu posso celebrar nosso aniversário, meu e teu, nessa minha mania de você.
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Rita deixou este último livro antes de partir, em que ela conta um pouco sobre seus últimos anos, lotados de devaneios, graças, aceitações, amores, dúvidas e seu tete a tete com a morte, porque ela travara uma luta recente contra o câncer, que é devastador em diversas maneiras. Fisicamente, óbvio, mas também emocionalmente.
O que uma estrela do roquenrou brasileiro, em plena pandemia, numa rotina de médicos, exames, tratamentos e remédios poderia nos contar sobre teu dia a dia? Rita sempre fez tudo com maestria e com um humor de outros planetas, dos seres de luz que habitavam dentro dela. As vezes, pode parecer papo de louco, mas louco é quem me diz e não é feliz, já diria certa canção. Não é feliz.
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Rita Lee: uma outra biografia é um pouco sobre sentir-se parte, da vida, da terra, do todo e estar tão conectado a ponto de entender que o fim inevitável da vida não é nosso inimigo, temos outras lutas mais terrenas para nos preocupar, do que o envelhecimento. Envelhecer deve ser um ato de empatia conosco e com os outros ao nosso redor, porque esse é o futuro de cada um.
Dá um medo danado, eu sei, eu também sinto, mas se Rita conseguiu, eu devo conseguir também, e escutar um pouquinho dela me fez arrepiar, chorar e cravar na cabeça a única certeza que pode me fazer viver: estar presente aqui e agora. Sem ficar jururu, tentando investir em know-how ou background. Obrigada, Rita. Te vejo no próximo vinte e dois de maio ou todo dia vivendo de dropz na minha estante.
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