“Sem coração”, Nara Normande & Tião: Cada pedaço disso tem dois lados agridoces

Sem coração e o prazer doloroso de amadurecer numa praia alagoana em 1996

Apegado ao passado mas não saudoso, Sem coração lida com esse retrato antigo a partir de algo que a palavra nostalgia define fundamentalmente. Não só a ideia de sentir falta do que passou, mas a de lembrar e de enxergar o passado por um viés por vezes doloroso. A juventude, o despertar sexual e a conscientização das verdades do mundo de um grupo de adolescentes que vivem na beira de uma praia alagoana em 1996.

A visão de Nara Normande e Tião desse passado, entretanto, caminha também pelo aspecto fantasioso dessa epifania do mundo que cada um dos jovens tem a seu modo. Pelo prazer ou pela dor. Como se lembrar da percepção daquele mundo fosse algo que se mistura com os sonhos abastecidos por experiências surreais. E vice-versa. Como quando o delírio vem antes da baleia encalhada real. 

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Cada pedaço disso tem dois lados. Agridoce. O prazer maculado pela dor ou a dor amenizada pelo prazer. E aí o único lugar seguro e aconchegante é dentro de um grupo que se desfaz pelos golpes da vida. Embora nesse ponto a violência parece surgir como protocolar. Como se o filme quisesse ressaltar aspectos realistas mas nesse processo quebrando a estrutura hipnótica e onírica de todo o resto. 

(A violência no meio da noite no caminho pra casa, por exemplo. Ou a surra que alguém leva.)

O filme existe a partir dessa lógica de contraste. A violência do amadurecer. Coisa que até a menção ao assassinato político de PC Farias parece reproduzir. Retratando a beleza de uma democracia jovem que desde já tinha que lidar com esse tipo de desenrolar da corrupção.

No centro de tudo, uma relação de encantamento de duas personagens. Que também se desenvolve para uma inconcretude. Que por várias vezes nos faz pensar em uma delas por um aspecto mítico. De fora desse mundo. Coisa que, ainda bem, nunca se explica. 

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