“A entidade”:  Luciana Strauss faz retrato alegórico das relações dentro de uma repartição

Vale tudo numa ficção? Esta pergunta parece ser o motor do romance “A entidade”, da escritora argentina Luciana Strauss. O livro é um retrato alegórico do cotidiano das relações humanas dentro de uma repartição. Narrado em terceira pessoa por uma figura, a obra passeia por um punhado de funcionários de um mesmo órgão, cujo propósito ou função jamais nos são informados.

Esse recorte não é ocasional: seu efeito é revelar a força própria das pequenas disputas de poder, que contamina até mesmo os afetos e relega o trabalho a segundo plano. Assim, conhecemos as mesquinharias, artimanhas e chantagens sexuais que os colegas impõem uns aos outros em sua tentativa de progredir na carreira.

Um clima de Kafka, mas fantástico sobre o poder

Pelo dito acima, poderíamos pensar que o livro é uma releitura contemporânea de Kafka. Afinal, neste enredo claustrofóbico, nenhuma das personagens se preocupa com o trabalho. As alusões à vida fora do escritório também são raras – o importante é sempre algo ligado à remuneração, à hierarquia ou ao privilégio: postergar uma aposentadoria compulsória, receber uma promoção de categoria, abocanhar para si parte do orçamento da Entidade (assim se chama o local) ou ter acesso exclusivo a algum terraço esquecido onde é possível fumar, transar ou preparar um churrasco.

No entanto, soma-se a esta dimensão kafkaniana outra, de cunho fantástico. O fantástico em A entidade é representado em dois eixos. O principal deles é o Inferno, situado no subsolo do prédio da secretaria, onde coisas terríveis acontecem aos visitantes: ataques de milhares de baratas que cobrem completamente seus corpos, inundações, soterramentos por documentos (uma cena, particularmente bem escrita, evoca o filme Brazil, de Terry Gilliam), furacões e incêndios… e onde funciona o RH.

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Cena de Brazil, de Terry Gilliam

O outro é a gaveta da escrivaninha Nelly, a mais antiga funcionária da repartição. Nelly é a única personagem do livro que não se dedica a fins mesquinhos: seu maior objetivo é encontrar o cartão com o telefone de José Luis, um comerciante de pêssegos que conheceu no ônibus e por quem se apaixonou. Determinada a encontrar o cartão que desapareceu em algum recôndito de sua estação de trabalho, ela encolhe de tamanho para viajar entre entidades mágicas, rios de tinta de impressora e montanhas de erva-mate para se consultar com uma bruxa taróloga que vive em sua gaveta e é a única capaz de auxiliá-la nesta empreitada.

Como seria de se esperar em uma sátira da burocracia, o enredo parece não nos levar a lugar nenhum: as promoções não acontecem, os aumentos salariais não vêm, o orçamento não aumenta e o Inferno segue sendo o Inferno. Nelly não deixa de jogar o jogo do escritório, mas também é dotada de intenções mais puras, e talvez por isso seja a única que consegue o que quer durante o livro – neste caso, o contato com José Luis. Para os demais, a história parece terminar onde começou, em um enredo circular que replica a rotina na repartição.

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Sobre a autora:

Luciana Strauss (Buenos Aires, 1980) é socióloga, professora universitária e escritora. Publicou o romance A entidade, finalista do Primeiro Concurso de Narrativa Bernardo Kordon; os contos Los perros azules e Horacio, além de resenhas, ensaios e artigos. É professora de oficinas de escrita e de teses na Escola Interdisciplinar de Altos Estudos Sociais da Universidade Nacional de San Martín e no Centro Universitário de San Martín, localizado na Unidade Penal N° 48 de José León Suárez. Co-coordena, juntamente com Lucía Álvarez, o Programa de Escrita em Ciências Sociais na Escola Idaes da Unsam.

Ficha Técnica:

Título: A entidade

Autor: Luciana Strauss

Tradução: Marina Waquil

Imagem de capa: Juan Cabello Arribas

Número de páginas: 120

Formato: brochura

Tamanho: 14 x 21 cm

ISBN: 978-65-5826-064-6

Preço: R$ 62,90

Preço e-book: R$ 40,90

Editora: DBA

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