A graça parece ser a chave para as palavras de Evandro. Não o desconsolo, propriamente, não a taciturnidade tão anunciada, não a aporia, que por vezes pode parecer se entremear na complexidade do fluxo calculadamente denso do autor. A graça: a iluminação repentina, o estupor positivo, por assim dizer. São constantes os momentos como que epifânicos, os descobrimentos desavisados em meio às prestidigitações melodiosas que pouco a pouco são intuídas por aqueles que ousam encarar o som desafiante deste romance de Evandro. É por este caminho que podemos entender “Perdeu vontade de espiar cotidianos”
Na literatura brasileira, seja lá o que isso queira dizer, são poucas as dicções tão reconhecíveis como as que neste romance-meditação se apresentam. “Nossa ontológica personagem” é um pretexto, uma sugestão de uma voz interior identificável, habilmente tecida pela conhecida mão dicionaresca do autor.
Nas elipses misteriosas de Perdeu vontade de espiar cotidianos, a intuição sonora é fundamental: virá a descoberta em algum momento, a clareza não será prescindível, a deriva não sobressairá neste caminho que poderia, sim, não levar a lugar algum. Mas levará: a graça persiste. A graça conduz. A graça atua sob a forma do segredo, a luz se atreve a aparecer nos milímetros entre os parágrafos, vociferando calada o direito ao aparecimento. É recomendável que o leitor duvide, e quiçá não leve tão a sério, certo fatalismo aqui circunscrito.
Leia também: “Nós, os Caserta”: Aurora Venturini releva o lado monstruoso de toda família
Mas pode ocorrer também o oposto disso. Aqui estão, sim, os eflúvios do taciturno, o sussurro do inadiável: avizinha-se um fim, é certo, um fim lamentoso, quase indizível, um fim sem cidadania, sem fisionomia, sem vocabulário: é necessário inventar um para dizê-lo. Não é simples adivinhar sua melodia senão através de leitura atenta, para colorir enfim, com as palavras, a impossibilidade de dizer.
Leitura esta nunca desacompanhada. Revisitar, retornar, retomar: Jorge de Lima, sobretudo, mas também Guimarães Rosa, Kafka, Schulz, Montaigne, Heidegger, entre outros tantos. Recorrer à biblioteca para ativar a memória, angariar as sílabas, encontrar o ritmo. Recostar-se nas cadeiras para ler Evandro, suas palavras-para-a-vida, nossa ontológica personagem, sua imensa literatura.
Compre o livro aqui!
Sobre o autor:
Evandro Affonso Ferreira é autor de vários romances, entre eles: Minha mãe se matou sem dizer adeus (Record; Prêmio APCA Melhor Romance); O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam (Record; Prêmio Jabuti Melhor Romance do Ano); Não tive nenhum prazer em conhecê-los (Record; Prêmio Bravo! Melhor Romance do Ano); Nunca houve tanto fim como agora (Record; Prêmio Machado de Assis – Biblioteca Nacional, Melhor livro do Ano e Prêmio APCA Melhor livro do Ano). Pela Editora Nós, é autor de Moça quase-viva enrodilhada numa amoreira quase-morta.
Ficha Técnica:
Título: Perdeu vontade de espiar cotidianos
Autor: Evandro Affonso Ferreira
Capa: Bloco Gráfico
ISBN: 978-85-69020-82-0
Tipo: brochura
Páginas: 88
Tamanho: 13 x 21 cm
Preço: R$ 60,00
Editora: Nós