É possível ser evangélico e adepto de Paulo Freire?

Muitos brasileiros ainda não conhecem a figura de Paulo Freire. E pasmem: existem aqueles que acreditam que conhecem sua obra e a abominam apenas porque ouviram críticas e inverdades no cenário político dos últimos anos. Felizmente não somos poucos os brasileiros que conhecemos e defendemos o trabalho e o legado notável que ele nos deixou. 

O Jornal Nota me convidou para falar um pouco sobre a experiência de ser uma educadora freiriana mesmo sendo evangélica e de como essas duas coisas podem e devem conversar. 

Se consultarmos brevemente o Google na enciclopédia Wikipedia encontraremos a seguinte descrição: Paulo Reglus Neves Freire foi um educador e filósofo brasileiro. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica. É também o Patrono da Educação Brasileira. 

Daí surge a pergunta: o que é a pedagogia crítica? É a pedagogia que defende que a leitura e a escrita não param no campo da decodificação. Que somos seres críticos por natureza, que compreendemos nossa realidade, que a escola deve ensinar a ler e escrever partindo da realidade do aluno para que ele amplie sua capacidade de intervir nesse mundo. 

Essa é a metodologia de Paulo Freire.

 

“Ivo viu a uva”, diziam os manuais de alfabetização, mas Paulo Freire utilizou esse exemplo para mostrar que antes de ler a “palavra” mundo é preciso ler o mundo. Assim, ele chama atenção para o fato de que não basta saber que Ivo viu a uva. Ivo precisa saber que a uva é uma ação do homem na natureza e sobre ela. Que mesmo sem saber ler Ivo não é ignorante, ele tem saberes que outros profissionais não tem, como erguer uma casa de tijolos, por exemplo; e que cada profissional contribui de forma diferente na sociedade e se complementam na vida social.

É possível ser cristã e adepta de Paulo Freire?

Sendo cristã e leitora assídua da Bíblia, encontro diversos trechos em que Jesus fala por parábolas, ou através de outros diálogos com os discípulos e utiliza a mesma estratégia, a exemplo de Pedro que era pescador, Jesus falou com Pedro no contexto da pescaria para que Pedro compreendesse o que estava dizendo. A bíblia é repleta de exemplos nesse sentido. 

Infelizmente, a elite brasileira não deseja que sejamos críticos. Foram essas pessoas que através de fake news associaram a figura de Paulo Freire a “ensinos pecaminosos”. 

Pecado é comungar e disseminar esse conceito colonial de que negro, pobre, mulheres, pessoas com necessidades especiais, LGBTQIA+ e qualquer outro segmento social dissociado da elite não possa ser crítico, nem conhecer ou convocar seus direitos ou intervir na sociedade em que vive.

A missão da escola é ensinar a ler e escrever, formar cidadãos críticos para viver e intervir na sociedade em que vivem. 

Espero ter contribuído de alguma maneira para esclarecer essa dicotomia instalada propositalmente entre a pedagogia de Paulo Freire e o povo evangélico.

Telma Reis, professora de Língua Portuguesa, estudiosa da alfabetização no campo da psicogenética e formadora de professores pelo Instituto Chapada de Educação e Pesquisa-ICEP, na Bahia.

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