“As estradas são para ir”: poemas e canções da cantora Márcia

A cantora portuguesa Márcia é autora de “As estradas são para ir” e fala sobre o livro em entrevista exclusiva.

A cultura portuguesa é marcada pela emoção e sensibilidade. Não a toa, as canções e livros portugueses costumam se destacar internacionalmente. Para nós, brasileiros, o uso diferente do que estamos acostumados da língua e das palavras sempre parece produzir uma mistura de espanto e encanto.

Nós, do Jornal Nota, somos amantes da literatura portuguesa, assim como da música desse país. Por isso, surgiu a ideia de entrevistar uma artista portuguesa que não somente escreve música, mas também literatura.

Marcia é uma das mais importantes cantoras da música portuguesa contemporânea. Nascida em Lisboa, a cantora já lançou 5 álbuns e se destaca pela delicadeza da voz e por seus versos poéticos.

Em entrevista exclusiva para o Jornal Nota, a cantora e escritora falou sobre seu livro “As Estradas São Para Ir”, publicado pela Planeta Portugal, sobre os processos criativos da escrita de canções e de poemas e sobre sua relação com o público brasileiro. Confira!

Márcia, a gente aqui do Brasil está sempre escutando suas canções com atenção ao que elas dizem, e não foi surpresa ver um livro seu de poesia. Como você descreveria seu livro “As Estradas são para Ir”?

Esse meu livro é um apanhado de canções, poemas e crónicas. No fundo, as crónicas pretendem explicar um pouco do universo emocional onde surgiram aquelas canções lá referidas (a itálico), e os poemas. As ilustrações que fiz complementam esse universo com imagens que só eu podia concretizar. Para mim é uma felicidade muito grande ter conseguido compilar tantos pensamentos intimos e imagens que estavam guardadas só no meu mundo secreto, num só objecto. 

E se “As Estradas são para Ir” também poderíamos dizer que as estradas são para voltar?

Sim, são para voltar e faz sentido voltar. O sítio onde estamos faz cada vez mais sentido quando nos afastamos dele e conseguimos vê-lo em toda a sua forma e plenitude. O título deste livro, “as estradas são para ir” é um verso retirado de uma canção minha (ao chegar) que fala sobre essa enorme clarividência que ganhamos quando nos afastamos de um sítio, de uma relação, de uma situação. Esse álbum chama-se “vai e vem”, existe sempre a ideia da riqueza que ganhamos com o movimento de ir e vir. 

No prefácio do seu livro você conta que escreveu este livro de poemas em um intervalo em que não podia cantar. Achei isto curioso e me veio a pergunta: Seus poemas nascem poemas e suas canções nascem canções ou algumas canções já foram poemas antes ou alguns poemas virarão canções depois? Como funciona este processo?

Os meus poemas nascem poemas, e as minhas canções nascem canções. É muito raro eu musicar um texto, creio que aconteceu até hoje uma única vez, com um texto do Valter Hugo Mãe e a seu pedido – mas eu pude escolher o texto. Eu gosto de escrever as canções já com a melodia e deixar-me levar com aquilo que se vai revelando à medida que eu vou deixando as palavras aparecer. Havia uma descrição do processo que Miguel Angelo esculpia as pedras; ele ia descobrindo a figura à medida que esculpia. Costumo comparar esses processos. 

“As Estradas são para Ir” são uma coletânea que capturam muitas Márcias, não? A Márcia que quer que a gente leia as canções, a que escreveu quando não podia cantar, a que escreveu logo após o nascimento do segundo filho, a Márcia dos poemas que escreveu sem saber que seriam publicados. Como a Márcia de hoje olha para os poemas e canções das Márcias registradas no livro?

:) Olho sempre para os meus discos e canções como um registo daquele momento. Não pode ser de outra forma. Os discos são uma fotografia ampla e profunda do momento individual e social que estamos a viver. Tenho muito carinho pelas coisas que já escrevi, assim como pelas Márcias que já fui. Fui sempre muito honesta e muito dada, apesar de saber que me expus em muitas situações, dá-me Fé imaginar um público que me lê com carinho e compreensão, que ampara aquelas palavras como se fossem suas. Às vezes por compaixão, outras porque se identifica. É para essas pessoas que escrevo tudo; as canções, os poemas, as crónicas. E para elas continuarei a escrever. 

O seu livro ainda não chegou ao público brasileiro, mas a gente não vê a hora de poder ver seu livro nas prateleiras das livrarias por aqui. Como você gostaria que suas poesias tocasse os leitores do Brasil?

Adorava que o meu livro fosse publicado no Brasil e espero que um dia haja essa oportunidade. Espantei-me quando toquei em São Paulo e Rio, porque o público conhecia as minhas canções – as letras e os titulos – coisa que nem os meus músicos conseguem decorar. Até hoje não percebi esse fenômeno mas sinto uma enorme fortuna por isso.  Tenho uma ligação muito forte com o Brasil e espero um dia em breve voltar.    

Veja também: Pedro Lemebel: a “loca” da contracultura que rasga o conservadorismo com sua literatura

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